Depois do home office, surgido da imposição de medidas sanitárias para a contenção da pandemia de Covid-19, outra tendência de trabalho remoto começa a emergir no ambiente corporativo. O anywhere office, expressão em inglês que pode ser traduzida como “escritório em qualquer lugar”, tem origem numa conveniência proporcionada pela possibilidade de trabalhar e fazer negócios longe dos espaços tradicionais corporativos. Em vez de se reunir em torno de uma sala de reuniões, a ideia de fazer apresentações ou rodadas de negócio sob os pés do Cristo Rendentor, nas mesas de um bar ou, mais inusitado ainda, no calor de uma academia parece muito mais atraente. E tem angariado adeptos no meio empresarial.
A bem da verdade, a prática já tem algum tempo. No jargão corporativo, chama-se pomposamente de junket. O Dicionário Oxford, em uma de suas definições, esclarece: “Uma viagem ou festa para um grupo de funcionários ou políticos paga por sua empresa ou governo”. A série da Netflix Emily em Paris mostra, com os exageros ficcionais de hábito, como funciona. Na trama, a publicitária Emily Cooper (Lily Collins) não perde a oportunidade de fechar um novo contrato. Apesar das repreensões por parte dos chefes, a personagem cativa potenciais clientes com convites para jantares, festas e passeios suntuosos.
Com algumas diferenças, o anywhere office segue mais ou menos essa mesma linha. Tome-se como exemplo um evento programado às margens do Web Summit, evento internacional de inovação e tecnologia, que neste mês teve sua primeira edição no Brasil, no Rio de Janeiro. O empresário Vinicius Cordoni, executivo de um grupo de comunicação empresarial, reservou nada menos que o Cristo Redentor, cartão-postal da capital carioca, para uma confraternização que reuniu sessenta clientes e potenciais contratantes. Na reunião, empresários e investidores se movimentaram em rodas de conversa e levaram na bagagem cartões de visita e promessas de negócios. Apesar de ter fechado apenas um contrato, Cordoni atesta que a experiência valeu a pena e abriu novas oportunidades. “Eu fiquei conhecido como o cara do Cristo”, brinca.
Há também quem sacrifique seus momentos de lazer pela perspectiva de fechar novos negócios. O consultor de recrutamento Denis Cerqueira, por exemplo, diz aliar o útil (reuniões empresariais) ao agradável, como exercícios na academia. Segundo ele, compensa chegar ao horário de almoço sem ter concluído a aula de race, mas com um novo contrato firmado. “Eu busco novas oportunidades 24 horas por dia e sete dias por semana”, disse a VEJA. “É um trabalho que não tem local definido.” O empresário também criou um clube do vinho com colegas do mesmo ramo e acredita que ambientes mais descontraídos contribuem para uma maior abertura de potenciais contratantes e amplia oportunidades.
Na linha das experiências exclusivas, valem desde clubes fechados até camarotes em estádios e arenas. Apesar de ter 85 000 seguidores em sua página no Instagram, o bar Sweet Secrets, em São Paulo, só pode ser frequentado por quem tem convite — e não são muitos aqueles que o recebem. Com aproximadamente 190 membros, o local se tornou um dos favoritos dos empresários paulistas que querem impressionar oferecendo uma experiência exclusiva. Para David Politanski, sócio do bar com Felipe Lombardi, a ideia foi bem recebida por esse grupo. “Eles dizem que faltava um lugar como esse aqui”, conta. “A experiência é algo memorável.”
Cordoni, o “cara do Cristo”, também tem um camarote no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, na capital paulista. Nesse espaço, as reuniões ocorrem em meio a disputados jogos de futebol. Apesar do alto investimento, Cordoni garante que o resultado tem sido benéfico. A substituição de espaços tradicionais por ambientes mais imersivos e experiências únicas é um atrativo que impacta positivamente. “Falar de negócios fazendo algo agradável e que a pessoa gosta é muito mais interessante”, argumenta. Observados os limites físicos dessa prática, trabalhar em qualquer lugar não é uma má ideia.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843