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Marcha bicentenária: novo livro celebra a história da bicicleta

Uma 'jovem' surgida no século XIX, ela foi alvo de ondas de amor e de ódio

Por Gabriela Caputo Atualizado em 4 jun 2024, 10h57 - Publicado em 15 abr 2023, 08h00
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  • Em 1974, um esboço encontrado no Codex Atlanticus, vasta coleção de rascunhos de Leonardo da Vinci, sugeriu que o gênio renascentista teria imaginado a bicicleta já entre os séculos XV e XVI. A hipótese causou alvoroço, mas logo se provou fraudulenta: um exame minucioso concluiu que, nos anos 1960, algum engraçadinho havia rabiscado a caneta os detalhes unindo dois círculos preexistentes, resultando na figura. Da Vinci não foi o único suspeito da falsa paternidade: são inúmeros os relatos que tentam situar a gênese da bicicleta em eras mais remotas — até o momento, em vão. Com sua aura de máquina simples dotada de charme singular, a bicicleta é um invento que de fato confunde: tem cara de antigo e, ao mesmo tempo, moderno. Sua criação, porém, é mais recente do que se pode intuir: atribuída ao alemão Karl von Drais, ocorreu somente em 1817. O resto é história — não raro, de amor e ódio pela engenhoca, como demonstra com brilho o jornalista americano Jody Rosen no livro A Vida em Duas Rodas, lançado no Brasil pela Rocco.

    A vida em duas rodas

    A pioneira bicicleta, então nomeada Laufmaschine — “máquina andante” —, foi revelada em 12 de junho daquele 1817 na cidade de Mannheim, na Alemanha. Eis a “bike” primitiva: com duas rodas alinhadas por uma tábua, não tinha pedais (o impulso vinha do caminhar), mas já estabelecendo o princípio do homem como motor. O design moderno como o conhecemos, a “bicicleta segura”, surgiu pouco mais tarde, em 1885, com o modelo Rover, criado pelo inglês John Kemp Starley. As inovações estruturais não foram das mais radicais desde então.

    FANTASIA - A famosa cena das bikes do sucesso E.T.: imaginário que voa longe
    FANTASIA - A famosa cena das bikes do sucesso E.T.: imaginário que voa longe (Universal Pictures/Divulgação)

    Quanto à recepção, a bike enfrentou sucessivas ondas de popularidade e críticas em sua trajetória. Conforme explica Rosen, ao ser abraçada pelos ricos, ela foi de novidade elegante a brinquedo satirizado, chegando mesmo ao posto de objeto infame, às vezes vítima de proibições ou violência declarada. O que sempre permaneceu, entretanto, foi a percepção da bicicleta como apetrecho revolucionário. Para alguns, até subversivo: quando o ditador nazista Adolf Hitler assumiu o poder, em 1933, um de seus primeiros atos foi fechar o sindicato de ciclistas na Alemanha.

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    De início, a bicicleta conferiu autonomia, libertando os homens da dependência dos animais de carga. Depois, nivelou classes sociais e derrubou barreiras de gênero. A partir dos anos 1970, conquistou ainda papel de valor no ativismo verde — e é lembrada cada vez mais como resposta essencial às ameaças da mudança climática. Hoje, num mundo dominado por cerca de 1 bilhão de carros, aponta Rosen, há o dobro de bicicletas, cumprindo à altura suas variadas funções diárias nos centros urbanos e zonas rurais. A onipresença e versatilidade das duas rodas não deixam dúvidas: a Terra é um “planeta bicicleta”. E segue avante: para o autor, estamos na maior de todas as ondas de interesse nela, com crescimento notável num mercado que deve atingir 80 bilhões de dólares em 2027.

    IMPULSO - Esportistas: mercado deve atingir 80 bilhões de dólares em 2027
    IMPULSO - Esportistas: mercado deve atingir 80 bilhões de dólares em 2027 (Josep Lago/AFP)

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    Embora narre suas aventuras sobre duas rodas como algo sublime, Rosen não cede à romantização barata. Pelo contrário, abarca suas implicações sociais negativas, como quando joga luz sobre as controvérsias do início de sua fabricação — as matérias-primas, aço e borracha, estavam calcados na violência colonial, na exploração do trabalho e em altos custos para o meio ambiente. Lembra, ainda, que a despeito das fantasias de bicicletas voadoras do imaginário popular, consagradas numa cena do sucesso do cinema em E.T. — O Extraterrestre (1982), de Steven Spielberg, a realidade palpável não é tão mágica: nem todo ciclista o faz por estilo de vida, perambulando pelas ruas cordiais de Copenhague ou Amsterdã. Em muitos lugares — a exemplo do Brasil, onde cresce a pauta sobre os entregadores em situação informal — ela se mostra uma necessidade de sobrevivência. Pode-se amá-­la ou odiá-la — mas pedalar é viver.

    Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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