Não sobrou pedra sobre pedra. “Nada melhor do que se sentir magra”, declarou Kate Moss em uma famigerada entrevista que repercutiu por todos os cantos em 2009. Hoje impensável, a frase gerou calorosos protestos, entre eles a acusação de enaltecer a anorexia, o distúrbio que leva as pessoas a terem uma visão distorcida de seu corpo e tentarem de tudo para perder peso. Ícone da magreza nas passarelas — atributo por si só problemático pelo histórico de restrições e prejuízos às candidatas a top model —, a britânica coleciona um rosário de polêmicas, dentro e fora do mundo da moda, desde que foi descoberta no aeroporto internacional de Nova York aos 14 anos. Aos 50 anos, recém-completados, ela prova ter cravado seu nome e legado, ainda que cercados de burburinhos, na história das passarelas e das celebridades.
Kate estrelou sua primeira — e lendária — campanha da Calvin Klein, vestindo apenas uma calça jeans, na década de 1990, era de ouro das supermodelos, até então mulherões cheios de curvas e maquiagens, como Cindy Crawford e Naomi Campbell. Muito jovem, chegou de forma tímida, mas sua beleza imperfeita de ossos aparentes, dentes separados e sardas, fora dos padrões e sem grandes produções, invadiu o mercado como um furacão, mudando a direção dos ventos a seu favor e abrindo as portas para a tendência heroin chic, com garotas magérrimas, de pele pálida, olheiras e expressão de ressaca — daí a referência à droga. “Kate era o oposto das modelos curvilíneas”, diz Anderson Baumgartner, fundador da agência Way, que revelou as brasileiras Alessandra Ambrosio e Caroline Trentini. A atitude na passarela e o comportamento avesso às regras também a fizeram virar alvo de disputa entre as grifes e a tornaram uma das profissionais mais bem pagas do planeta. “Enquanto as modelos se adaptavam às exigências do mercado, ela não estava nem aí para o que pensavam”, afirma Baumgartner.
Temperamental e de personalidade forte, a britânica sempre pregou não se arrepender de nada e jamais se justificava sobre atitudes de sua vida pessoal, frequentemente expostas nos tabloides. Constam em sua biografia os conturbados romances com o ator Johnny Depp e o músico Pete Doherty e as noitadas marcadas por excessos. Deu de ombros inclusive perante um escândalo envolvendo uso de drogas, quando, em 2005, jornais ingleses publicaram fotos em que a modelo aparecia cheirando cocaína, o que a fez perder contratos com Burberry, Chanel e H&M. O episódio, contudo, não mudou a opinião de quem já morria de amores por ela — e não eram poucos —, como o prestigiado estilista Alexander McQueen. Para apoiá-la, bolou um desfile que reproduzia a imagem da diva como um holograma e, ao final, surgia na passarela vestindo uma camiseta com os dizeres “We love you, Kate”.
Após um período de reabilitação, a modelo ressurgiu mais poderosa do que nunca, com contrato milionário e pronta para lançar sua primeira coleção, em 2007. O respeito que o universo fashion lhe dedica até hoje é tamanho que, mesmo com um passado regado a sexo, drogas e rock‘n’roll, a britânica continua mantendo o fôlego de uma trajetória bem-sucedida, agora com sua marca de wellness e uma agência para representar artistas e top models, incluindo a filha, Lila Moss, hoje rosto de grifes como Versace e, honrando o pedigree, Calvin Klein. A Kate Moss 5.0, louvada pelos experts como uma das figuras mais relevantes da moda nas últimas três décadas por ter mudado o padrão de beleza e introduzido o street wear nos desfiles, segue um espírito livre, ainda que hoje também curta uma rotina entremeada de sessões de ioga e passeios com o cachorro. Diz não querer parar de fumar e aprecia as festas comemoradas como se não houvesse amanhã. Fato é que a antimodelo de língua ferina inaugurou novos tempos para uma geração de mulheres e, mesmo com declarações politicamente incorretas, trouxe diversidade e irreverência às passarelas. Goste-se ou não, Kate Moss continua na moda.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877