Foi-se o tempo em que “glamour” e “camping” remetiam a mundos distintos e que não cabiam na mesma frase. Atualmente, estão unidos numa mesma palavra, “glamping”, fusão dos dois estrangeirismos que significam, respectivamente, elegância e acampamento. Em 2016, o neologismo foi reconhecido com a inserção oficial no dicionário inglês de Oxford. A definição foi essa: “Glamping é um tipo de acampamento mais confortável e luxuoso que o tradicional”. Com a pandemia de Covid-19, o conceito tornou-se uma tendência do turismo de luxo que promete catapultar os ganhos desse segmento para as alturas.
A proposta de levar o conforto palaciano às hospedagens no meio da natureza começou com a monarquia inglesa no século XVI, que não abria mão de manter o luxo e a opulência onde quer que reis e rainhas fossem, mesmo aos lugares mais inóspitos. Em tempos recentes, a motivação é, digamos, menos nobre. Isoladas em seus lares e segregadas pelo distanciamento social, as pessoas passaram a buscar mais contato com a natureza como uma forma de escapar do isolamento e, ao mesmo tempo, evitar a propagação do novo coronavírus.
O que era uma fuga virou negócio rentável. Hoje em dia, o glamping reina absoluto em vários países e ganha cada vez mais espaço no Brasil. O turista brasileiro quer fugir das grandes cidades e respirar ao ar livre, só que rodeado de conforto e segurança. Prova disso é que a procura por esses pacotes aumentou 81% no último ano, de acordo com uma pesquisa da plataforma Pinterest. Avaliado em 3,4 bilhões de dólares, o mercado prevê crescimento de 11,8% até 2032, segundo pesquisa realizada pelo instituto Future Marks Insight.
Com a alta demanda, a sofisticação das experiências alcançou níveis surpreendentes. As tendas, iglus e casas na árvore vêm hoje com portas, tetos climatizados, camas, banheiros, sinal wi-fi, serviço de limpeza, jacuzzi e até chef de cozinha particular. E ainda são sustentáveis, já que a maioria conta com reciclagem de lixo, redutores de fluxo de água e iluminação que utiliza a energia solar. É a garantia de programas livres de velhos problemas, como a falta de energia elétrica e a insegurança em relação a animais — de insetos a bichos selvagens, que podem surgir a qualquer momento e causar estragos.
A tendência é tão forte que está em safáris na África, praias no Caribe e Maldivas, florestas na América Central, desertos como Atacama e até nos lagos gelados da Antártica. Os Estados Unidos são os campeões do glamping, seguidos pelos países ricos da Europa, Japão e Canadá. O Brasil tem vocação inegável para abraçar o movimento, com suas florestas tropicais, as chapadas de visual arrebatador, áreas serranas e praias a perder de vista. “A proposta é brincar com as ambiguidades”, afirma Leticia Medice, proprietária do Nido Glamping, na Serra da Mantiqueira. “É o luxo e rusticidade, conforto e contato com a fauna e a flora, afastamento dos grandes centros urbanos e conectividade.”
Guias para explorar a natureza de forma segura, paisagens “instagramáveis” e outras facilidades compõem um cardápio gourmet que pode — e isso é absolutamente compreensível — melindrar o mochileiro raiz, aquele que gosta de trilhas complicadas e sorri diante dos perrengues no mato. Tudo isso, porém, tem sido bem recebido pelos turistas, um fenômeno atraente o suficiente para chamar a atenção dos grandes grupos hoteleiros, que passaram a investir no segmento — hoje eles detêm 20% desse mercado. Trata-se, afinal, de caminho sem volta, movido pela perspectiva promissora de lucro. Ver o mato de perto é ótimo, mas o passeio será melhor ainda se o turista tiver acesso ao máximo conforto possível.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833