Os roqueiros sabem muito bem que o refrão de Money Talks, um clássico inesquecível da banda australiana AC/DC, é daquele tipo que gruda na cabeça e demora para sair. “Come on, come on, love me for the money / Come on, come on, listen to the money talk.” Em bom português, é algo mais ou menos assim: “Vamos, venha, me ame pelo dinheiro/ Vamos, venha, ouça a voz do dinheiro”. De todas as leituras possíveis que a letra sugere, ao menos uma parece inquestionável. Trata-se, acima de tudo, de um hino de louvor ao vil metal. Três décadas depois, Money Talks voltou às paradas de sucesso, mas dessa vez por outro motivo. No final de outubro, o Banco Central da Austrália anunciou uma medida carregada de humor e, reconheça-se, com boa dose de ironia: a partir de janeiro de 2023, uma edição comemorativa da moeda de 1 dólar australiano será estampada com a figura do guitarrista Angus Young, um dos autores da pegajosa canção que ajudou a pavimentar a fama internacional do AC/DC.
A ideia é ótima. Por tradição, as moedas e cédulas das nações quase sempre são ilustradas por figuras de papel político relevante, pelas belezas naturais do país ou por símbolos que ninguém entende direito o que significam. Agora, diversos bancos centrais estão decididos a dar alguma leveza ao dinheiro em circulação. Começam a sair de cena figuras enfadonhas para ceder lugar a estrelas do universo pop e ícones culturais. Convenhamos: é mais divertido vislumbrar a imagem de uma estrela do cinema do que tirar da carteira a cara mal-humorada de políticos proeminentes, seja qual for o viés ideológico deles.
O enérgico Angus Young — vivíssimo e ainda na ativa — é apenas um exemplo de um movimento que se espalha pelo mundo. Há alguns dias, a Casa da Moeda dos Estados Unidos passou a distribuir 300 milhões de moedas de 25 centavos de dólar com a efígie da atriz Anna May Wong, a primeira estrela de ascendência asiática do cinema americano. A iniciativa integra o projeto American Women Quarters, que homenageará mulheres relevantes na história dos Estados Unidos. Os europeus entraram na onda. Na Suécia, a atriz Greta Garbo e o cineasta Ingmar Bergman estão nas cédulas da coroa sueca e a Holanda fez justo tributo a Anne Frank, escritora vítima do Holocausto. Até personagens fictícios, como o bruxo Harry Potter, receberam atenção das autoridades monetárias. No Reino Unido, o personagem estampará moedas em comemoração aos 25 anos de lançamento do primeiro livro da saga.
Há chance de o Brasil aderir ao movimento. Tramita na Câmara um projeto de lei que prevê homenagear nas cédulas e moedas de real personalidades femininas e pessoas negras que se destacaram, de acordo com o texto, na “luta emancipatória das mulheres e no combate à discriminação racial e de gênero no país”. A última nota lançada no país foi a versão de 200 reais, que chegou ao mercado em 2020 e que traz a imagem de um reluzente lobo-guará. Ameaçado de extinção, o animal merece ser lembrado, mas não seria o caso de, a partir de agora, olhar para humanos que contribuíram para o progresso do país, seja no campo que for? Se os australianos homenagearam Angus Young, por que os brasileiros não podem fazer o mesmo com os seus ídolos contemporâneos? A canção do AC/DC está certa: o dinheiro fala — em alto e bom som.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815