Desde o fim de outubro, a Islândia está em polvorosa. Na região sudoeste, onde fica o vulcão Fagradalsfjall, uma série de movimentos estranhos começou a atrair a atenção do governo local e do restante do mundo. Produzidos por uma lenta corrente de magma que se movimentava sob a terra, centenas de pequenos terremotos diários acenderam o sinal de alerta da comunidade próxima. Duas semanas depois, já no início de novembro, o surgimento de um buraco com cerca de 1 metro de profundidade no meio de Grindavík, uma cidade a 40 quilômetros da capital islandesa, Reykjavik, fez com que as autoridades ordenassem a saída dos 3 000 moradores.
A região onde fica o Fagradalsfjall, a península de Reykjanes, tem intensa atividade vulcânica. No seu entorno, o mais recente sinal de algum distúrbio aconteceu em 1240, quase oito séculos atrás. Esse vulcão em especial, cujo nome banhado de consoantes significa “bonita montanha do vale”, ficou inativo por quase 6 000 anos antes de voltar a se agitar, em 2021. Numa noite, após alguns tremores, a lava transbordou do cume da montanha. Depois disso, voltou a acordar duas vezes, uma em 2022 e agora.
Brota algum receio, dado o histórico. Há treze anos, uma outra erupção, a do impronunciável Eyjafjallajökull, ao menos para quem não domina o idioma islandês, chegou a provocar o fechamento por algumas horas do espaço aéreo europeu, por segurança. Mas foi só o susto. “Na Islândia, a lava é mais líquida, formada de basalto, e por isso a atividade característica é apenas vazar através de uma fissura”, disse a VEJA a astrônoma e vulcanologista da Nasa, Rosaly Lopes. “A rigor, os eventos mais perigosos são os explosivos, e isso depende do tipo de rocha da região. O magma dos vulcões nas Filipinas ou no Japão, por exemplo, é mais viscoso e tem um maior risco de explodir.” Ufa…
Os islandeses, na verdade, estão acostumados com vulcões, a ponto de tratá-los com respeito e carinho. Os pescadores de cidades da costa são forçados a se virar, com alguma frequência, para desviar o fluxo da atividade vulcânica, como aconteceu recentemente na região sul, em Heimaey, a segunda maior ilha do país. A frequência absurda de extravasamento de magma tem uma explicação: a Islândia repousa na divisa entre duas placas tectônicas, a euroasiática e a norte-americana. Por isso, o vulcanismo está constantemente moldando o território e atraindo turistas.
Só a atividade do Fagradalsfjall, este que agora virou ímã global, levou mais de 350 000 visitantes para as cercanias do gigante. E dá-lhe o festival de selfies emolduradas por espirros de lava em registros assustadoramente próximos. Além dele, outros trinta vulcões ativos espalhados pelo país atraem mais de 1 milhão de pessoas por ano e movimentam a economia. “O vulcanismo é uma das reações mais fascinantes dos processos geológicos”, diz Rosaly Lopes, autora de minucioso livro sobre o tema.
Mas nem tudo são flores. Os riscos ainda existem. “Os eventos recentes podem ser precursores de uma atividade ainda maior”, diz o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Alvaro Penteado Crósta. Segundo ele, é pouco provável que o vulcão gere um transtorno internacional, mas uma dinâmica mais intensa poderia afetar as usinas de energia geotérmica, além do perigo real para os moradores que insistirem em ficar em suas casas. Um nó, porém, incomoda os especialistas: a imprevisibilidade. Embora sensores cada vez mais precisos consigam denunciar algo acontecendo a quilômetros de profundidade, ainda é impossível dizer com certeza quando uma erupção vai acontecer. A do Vesúvio, em 79 d.C., que cobriu de lava a população de Pompeia, deixou cicatrizes. Recentemente, dois eventos, um na Nova Zelândia, em 2019, e o outro na República Democrática do Congo, em 2021, legaram um rastro de destruição sem aviso prévio. O fenômeno, fascinante, é a materialização do poder irrefreável da natureza. Resta torcer para que dessa vez a beleza se sobreponha ao poder de devastação. Até quinta-feira 7 o Fagradalsfjall parecia quieto.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871