No longínquo junho de 1973, quando o popularíssimo Fusca dominava o mercado, a Volkswagen do Brasil fez uma aposta ousada: lançou a Brasilia — assim, sem acento —, com visual moderno e amplo espaço interno, para competir justamente com seu carro-chefe (aqui, literalmente). Mesmo sendo 17 centímetros menor do que Fusca, foi apresentada com o slogan “maior por dentro do que por fora”, a ideia era inovar — e deu certo. Em quase uma década de produção, foram vendidas 950.000 unidades e o modelo se tornou símbolo cultural. Ao completar agora cinquenta anos, a Brasília segue viva na memória dos saudosistas, desperta simpatia geral e é objeto de desejo entre os colecionadores.
Lançada para ser um carro voltado para a família, em contraposição ao apertado Fusca, a Brasilia, batizada com o nome da capital inaugurada treze anos antes, nasceu com cores chamativas de nomes exóticos, como o Bege Jamaica, o Amarelo Primavera e o Marrom Asteca. Seu preço de lançamento era elevado e mirava a classe média: cerca de 20 000 cruzeiros, equivalentes a 120000 reais hoje, o valor cobrado pela versão topo de linha do Polo e pelo modelo mais simples do Nivus, ambos na linha de montagem atual da Volkswagen. Seu motor potente e acabamento de luxo ajudaram a consolidar a fama de carro de gente endinheirada e só deixou de ser fabricada em 1982, dois anos depois de a montadora lançar aquele que seria seu sucessor, o Gol — produzido de forma ininterrupta, em diferentes atualizações, por 42 anos, até o final do ano passado.
A Brasilia virou praticamente um símbolo nacional. “Na década de 1970, sua imagem era muito forte”, afirma Cassio Pagliarini, consultor da Bright Consulting. “Com grande volume de vendas e a utilização como carro de família, a Brasilia era onipresente”. Das ruas, foi parar nas pistas de corrida, pilotada por Ingo Hoffman na hoje extinta Divisão 3, que com ela ganhou um campeonato paulista. Estrela das produções da época, destaca-se no meio do trânsito em qualquer novela, série ou filme brasileiro que remeta aos anos 1970 ou 80. E do Brasil viajou para outras paragens — marcou presença, inclusive, no seriado mexicano Chaves, outro fenômeno cultural — era o carro usado por Seu Barriga para cobrar os aluguéis atrasados na vila, admirado de longe pelo protagonista e seus amigos. O salto definitivo para a imortalidade se deu na música “Pelados em Santos”, do grupo Mamonas Assassinas, baseada na história real de uma Brasilia amarela do vocalista, Dinho, que foi vendida, acabou apreendida devido a documentação atrasada e passou anos em um galpão, deteriorando-se. Restaurado, o carro é agora atração garantida nos eventos dedicados à memória da banda.
O design da Brasilia, que marcou época, foi criado a partir de um desafio de Rudolph Leiding, então presidente da VW no Brasil — ele estimulou os engenheiros daqui a elaborar um modelo contemporâneo a partir da base do Fusca. As linhas retas e a grande área envidraçada do novo carro rejuvenesceram a marca fincada no passado, que tinha como ícone de seu portfólio o Fusca projetado no fim da II Guerra. “Podemos dizer que ela deu origem ao design de veículos genuinamente brasileiro”, afirma Pagliarini. Entre 1974 e 1979, a Brasilia foi o segundo carro mais vendido do Brasil, perdendo apenas para o próprio Fusca. Foi exportada para outros países da América Latina, como o México, e transplantada para a África, onde uma versão com quatro portas recebeu o nome de Igala, palavra iorubá que significava “antílope”. Produzido na fábrica da Volkswagen em Lagos, na Nigéria, o Igala permaneceu em linha até 1985, quando também ele acabou sendo substituído pelo Gol.
Passado meio século de seu lançamento e quatro décadas de sua retirada de linha, a Brasilia ainda é vista rodando nas estradas e cidades do interior. Entre os colecionadores, é considerada um clássico. Nos sites de veículos usados, um modelo em bom estado de conservação não sai por menos de 30.000 reais, valor que se multiplica quando as peças são originais. Ou não: o modelo é muito procurada para “tunagem”, o processo de alteração das configurações de fábrica que resulta em Brasilias rebaixadas, com poderosos sistemas de som, em exposições. Com seu apelo atemporal, a Brasilia, definitivamente, entrou para a história.