Não resta dúvida que o futuro da mobilidade passa pela eletrificação. Cada vez mais, as montadoras atendem às demandas do planeta pela redução de emissões de dióxido de carbono (CO2) e desenvolvem tecnologias sustentáveis para substituir veículos poluentes por modelos a bateria ou híbridos, aqueles com um motor elétrico e outro a combustão. Atualmente, há no mercado carros “verdes” tão velozes quanto os tradicionais, com preços semelhantes na faixa premium. A americana Tesla é a pioneira no setor, mas já começa a sofrer pressão dos concorrentes. A ameaça, antes restrita a gigantes europeus, agora vem do Oriente.
A chinesa BYD (lê-se ‘bi-uai-di’, na pronúncia em inglês) celebrou no primeiro semestre a inédita liderança global nas vendas de carros eletrificados, que incluem elétricos a bateria (BEV) e híbridos plug-in (PHEV). No período, foram emplacadas 641 350 unidades, quase 80 000 a mais do que da Tesla — que, por sua vez, só fabrica 100% elétricos. A companhia sediada em Shenzhen, fundada em 2003 por Chuanfu Wang e financiada pela Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, levou vantagem por produzir as próprias baterias e assim lidar melhor com a crise de suprimentos. Por sua vez, a Tesla, do bilionário Elon Musk, sofreu com a paralisação de sua maior fábrica, a Giga Shanghai, justamente em solo chinês.
Apesar de 97% de suas vendas terem ocorrido na China, a BYD tem um plano de expansão audacioso, do qual o Brasil é protagonista. A marca está estabelecida no país desde 2015 e mantém duas fábricas em Campinas (SP) e uma em Manaus. Além disso, possui projetos de monotrilho em Salvador e em São Paulo. Agora, a meta é crescer com a chegada de modelos híbridos como o BYD Song. “Os veículos corporativos estão no DNA da empresa, mas há quatro anos iniciamos um projeto para ganhar volume e nos posicionarmos como líderes de mercado”, diz Henrique Antunes, diretor de vendas da BYD Brasil. Até o fim de setembro, a companhia prevê a abertura de dezoito concessionarias em grandes cidades brasileiras, onde o cliente poderá comprar, além do carro, painéis solares e carregadores da marca.
Em alta velocidade, a China acelera e vai deixando para trás o estigma que a relacionava à produção de produtos falsificados ou de baixa qualidade — os populares e preconceituosos “xing ling”. Uma das razões é o investimento prioritário em design. A BYD criou um setor específico e contratou medalhões da indústria, como Wolfgang Egger (ex-Audi) e Michele Paganet (ex-Mercedes-Benz). “Temos hoje carros mais sexy e com padrão internacional de acabamento”, diz Henrique Antunes. O sucesso da parceria Caoa Chery e os investimentos de Jac Motors e Great Wall confirmam os bons ventos chineses no país.
Há nesse debate um fator crucial: mais da metade da produção de bateria para carros vem da Ásia. A chinesa CATL é líder, com a sul-coreana LG, a japonesa Panasonic e a própria BYD na disputa. “Os chineses estão comendo pelas beiradas e expandindo sua presença internacional, mas ainda levará um tempo até entrarem nos Estados Unidos, até por questões geopolíticas”, explica Flavio Padovan, sócio da Padovan Consulting. “A Tesla depende dos produtores chineses e no futuro é possível que haja uma grande rivalidade.” A BYD revelou a VEJA que já realiza pesquisas de mercado nos Estados Unidos e que o trabalho desenvolvido no Brasil servirá de base para o futuro sonho americano.
Os eletrificados foram responsáveis por 8% das vendas de automóveis no mundo em 2021, com a Tesla na liderança, seguida pela Volkswagen. A consultoria AlixPartners projeta que o número deverá subir para 33% até 2028 e para 54% até 2035. No Brasil, em razão de problemas de infraestrutura e impostos, a caminhada é mais lenta (na casa dos 2%), mas constante. Foram vendidos cerca de 20 000 eletrificados no primeiro semestre e o país superou a marca de 100 000 máquinas desse tipo em circulação, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). A revolução está em curso e a China sabe disso melhor do que ninguém.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801