Não há vida sem água, o mais essencial dos elementos da natureza — e talvez não houvesse uma coleção de cenas da história do cinema sem ela. É Sophia Loren de vestido ocre colado ao corpo na Ilha de Hidra, na Grécia, em A Lenda da Estátua Nua, de 1957. É Anita Ekberg na Fontana di Trevi em A Doce Vida, o clássico de 1960 de Fellini. É Jacqueline Bisset à tona, a camiseta branca encharcada, depois de mergulhar em O Fundo do Mar, de 1977. O truque sensual, que usado com parcimônia pode ser delicado, ganhou nova vida, fora das telas. Não por acaso, a atriz francesa Isabelle Huppert, de 70 anos, desfilou pelos tapetes do Festival de Veneza com ar de quem tinha acabado de sair do banho, dentro de um modelo prateado da Balenciaga cujas tiras simulavam o movimento perene de uma cachoeira. Eis aí uma tendência afeita a chamar a atenção: a ilusão de umidade, o chamado efeito molhado.
É modismo que não nasceu outro dia, vai e vem como as ondas do mar, mas recebeu agora toque mais discreto, se é que existe discrição possível aí (com a exceção da elegante Isabelle, é claro). Se antes a ideia era expor até o último fio de cabelo a sensualidade, a proposta foi ligeiramente abandonada. Nos humores de hoje, não cabe a imagem da mulher-objeto, para ser apreciada por estúpidos machões. A mensagem é diferente: toda mulher faz o que quer com seu corpo e sua imagem, e tê-lo orvalhado faz parte do jogo. Mas o que vale mesmo, por imposição das onipresentes redes sociais, é parecer diferente. Que tal então debaixo de água, ou quase? Brotam, portanto, nos feeds e stories, entre milhões de seguidores, corpos besuntados como os da atriz Megan Fox e das irmãs Kylie e Kendall Jenner. Bruna Marquezine, que não é boba nem nada, despontou no tapete vermelho da estreia do filme Besouro Azul com um “veludo molhado”.
As técnicas que levam ao truque são variadas — pode ser, nos vestidos, o uso de cristais e contas de vidro, como faz o designer americano Jackson Wiederhoeft. Funciona, também, a criatividade genial de Thierry Mugler (1945-2022), que no Met Gala de 2019 decorou Kim Kardashian com um longo de organza de seda ao redor do qual vidros translúcidos em forma de gotas simulavam água pingando, como se ela tivesse saído de uma praia da Califórnia e ido para o evento em Nova York. “Esse era o conceito”, afirmou Mugler na época. Mas e se apenas os cabelos forem trucados, com o uso de gel, pomadas e fixadores? É possível, e é assim que caminha a humanidade formada pelos comuns dos mortais, inclusive homens. Um modo de compor o conjunto, sem torrar tubos, é fazer como Bruna Marquezine, e ninguém precisa ser ela. “O veludo é sexy, ainda que em peças invernais, pelo toque e o caimento”, diz a consultora de moda Manu Carvalho. E dá-lhe uma imensidão de looks possíveis — discretos ou provocativos (não é proibido, claro), de dia ou à noite.
Há um outro modo de traduzir o estilo irrigado. Ele é, de alguma maneira, segundo os especialistas, a reação ao excesso de brilho e volume dos penteados dos anos 2000, exagerados que só eles. O efeito molhado é mais discreto, evidentemente urbano e de mãos dadas com os avanços da ciência de cosméticos e de materiais. Nem é preciso — e cabe aqui retomar o cinema como referência — jogar um balde de água sobre o corpo, como fez Jennifer Beals na icônica cena de dança de Flashdance — Em Ritmo de Embalo, de 1983. Fica a aposta, olhando para o que vem de fora: o jeitão encharcado dominará o verão brasileiro, que se anuncia mais quente do que nunca — impulsionado, desgraçadamente, por um fenômeno climático nada elegante, o El Niño. Mas o que cabe mesmo é enganar os olhos. Parecer molhado e não estar, imitando o trompe l’oeil de tantos artistas ao longo da história. Moda é arte, moda é diversão, é também ilusão — e chamar a atenção, uma regra irrecorrível. Chuá…
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858