Um amigo paulista sempre pega a condução, desce no seu ponto e entra à direita para chegar em casa. De férias no Rio de Janeiro, desceu do ônibus, virou à direita e, quadras depois, foi parar numa comunidade em pleno confronto policial. Simples: estava hospedado à esquerda, mas a força do hábito o fez pegar o caminho errado. As muitas escolhas que fazemos diariamente podem parecer muito elaboradas, tomadas com bastante reflexão. Mas, de fato, não é assim que funciona. Nossas ações são mais baseadas no costume que em decisões racionais. Agora mesmo realizamos vários rituais enraizados nas tradições, nos conectando com nossos ancestrais. Mas por que damos presente de Natal, mesmo? Onde tudo isso começou? Quem pulou as sete primeiras ondas? Cleópatra fazia amigo secreto? O que tem a ver o nascimento de Cristo com pinheiros cintilantes?
Em lugares diferentes, comemora-se a passagem do ano com outros hábitos, frutos de outras histórias. O Carnaval de Veneza é mascarado, o nosso quase pelado. Há quem coma feijão no café da manhã; eu prefiro minhas belas torradas. Mas quem decidiu que a sobremesa tem de ser após o bife? Para responder a tudo isso, a gente precisaria consultar historiadores.
É dificílimo mudar um comportamento arraigado. Houve um tempo em que a virgindade feminina era questão de honra. Uma separação era inaceitável para as famílias. Sexo, só para reprodução. Veio a pílula anticoncepcional e, com ela, a liberdade sexual e novos hábitos surgiram. Inclusive o de falar mal de quem tem vida sexual.
“Quem decidiu que a sobremesa tem de ser após o bife? É dificílimo mudar um comportamento arraigado”
Há um livro chamado O Poder do Hábito, de Charles Duhigg. Repórter investigativo do New York Times, ele defende que a chave para o sucesso é entender como os hábitos funcionam e como podemos transformá-los. Embora isoladamente pareçam ter pouca importância, com o tempo os hábitos causam enorme impacto na nossa saúde, produtividade, estabilidade financeira e felicidade. No livro entendemos por que algumas pessoas têm tanta dificuldade em mudar, enquanto outras parecem conseguir isso da noite para o dia. Eu tenho um amigo que sempre comia frango, galinha. Mudou-se para uma chácara e começou a criar as penosas. Um dia fui visitá-lo e ele havia dado nome para cada uma das aves. “Vai mal”, pensei. Não deu outra. De acordo com seus hábitos, não se devora quem tem nome. As galinhas foram engordando, chocando ovos. Ele, inventando nomes. A última vez que falei com ele foi antes da pandemia. Já tinha 52 galinhas e estava entrando no vermelho para pagar os sacos de ração.
Eu sou um exemplo de alguém que consegue se livrar de um hábito, palmas para mim. Fumei um charuto por noite durante anos. Até que peguei um voo internacional. Quando desembarquei, no dia seguinte, pensei: “Se eu parei uma noite, não posso deixar de vez?”. Nunca mais fumei charutos. Sei que não é simples assim, podia ser um vício e eu não me livraria tão fácil. Mas entre hábito e vício há uma diferença. O hábito é possível evitar. Com vantagens até. Pensando bem, os charutos eram muito caros.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876