Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana

Vida de Imigrante

Por Edison Veiga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Alegrias e agruras da maior diáspora brasileira da história, a partir do olhar de um entre os 5 milhões que formam o fenômeno.
Continua após publicidade

É lorota que o Brasil tem muito feriado

Folgas dobradas e 'dolce far niente' que dão inveja ao calendário brasileiro: os europeus valorizam os dias livres, sem culpa nem discursos falaciosos

Por Edison Veiga 15 ago 2024, 07h01
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Crescer é colecionar traumas, diria o pessimista. Realista do tipo que lida bem com os fatos acumulados nas rugas, nas cicatrizes e nos fios de cabelo que rareiam, coço aqui a iminente calvície e afirmo: crescer é conviver com os traumas.

    Um deles é a culpa do feriado. Porque o discurso proeminente da infância, para mim, era que o trabalho engrandece, posto que é nobre; já o ócio, a vagabundagem, o dolce far niente, ah, essas coisas são o próprio diabo empilhando quinquilharias para inventar novas armadilhas em sua oficina cheia de lugares-comuns, desejos frugais e sensualidades para massagear almas.

    E o discurso vinha impregnado de penitência, mea-culpa, por vezes com um tantinho de autocomiseração, noutras com dolo de ferir o amor-próprio mesmo. “O Brasil está assim porque tem muito feriado”. “Brasileiro adora não trabalhar”. “Tem de acabar com isso, é muito feriado”. “Pra que tanta folga?”.

    Por muito tempo eu comprei essa verdade, admito. Se não total e completamente, porque sempre gostei de ter meu tempo livre nem que seja para ler um livro diferente dos que preciso para trabalhar ou assistir a um filme bobo para desanuviar cérebro e fígado, ao menos no âmbito de que, jornalista, desde cedo encarei jornadas capazes de atropelar dias santos, ignorar emendas sacras e profanar de todo jeito o calendário.

    Em algum momento da última década, um amigo que morava na Bélgica me deu a letra. “Cara, aqui tem muito mais feriado do que no Brasil. Sabe as datas religiosas de domingo? Eles jogam para a segunda. Tipo Pentecostes…”.

    Só que minha ficha só caiu, na verdade, quando eu vim morar na Europa.

    Continua após a publicidade

    E vi que o trabalhador brasileiro vive uma mentira. Se não imposta, muito conveniente — aos seus empregadores, os patrões, os empresários. Perdoe o marxismo improvável e involuntário. Mas é lorota que o Brasil tem muito feriado.

    Hoje, 15 de agosto, é feriado aqui na Eslovênia. Sabe por quê? Dia da Assunção de Nossa Senhora. E estamos falando de um país muito mais laico do que o Brasil. Oficialmente, pouco mais de 50% da população é católica — mas a maioria não segue. Pelo menos 13% são ateus declarados — talvez muitos outros o sejam, sem terem nem vontade de declarar, porque simplesmente não ligam.

    É feriado aí no Brasil? Não. Claro que não.

    Mas é feriado em boa parte dos países europeus — herança romana, quando a data era o Feriae Augusti, o Ferragosto pagão incorporado pelo cristianismo com esses contornos marianos.

    Continua após a publicidade

    Isso pouco importa, no frigir dos ovos. Para o esloveno, e a maior parte dos europeus, é um dia a mais para curtir o verão.

    Mas já que a religião foi trazida à baila, quero atentar aqui para outro feriado esloveno importante: 31 de outubro, dia da Reforma Protestante. É aquela data em que o monge Martinho Lutero, em 1517, afixou suas tais 95 teses em frente a uma igreja germânica. E causou um furdunço daqueles.

    Pois bem: seguidores da religião luterana são menos de 1% da população eslovena.

    Se é dia de folga, entretanto, os demais 99% — incluam-me nesta por favor — não vão reclamar. E nem ficar com culpa pela vagabundagem.

    Continua após a publicidade

    A Eslovênia é a terra dos feriados dobrados: um dia para beber, outro para curar a ressaca

    Existe outra peculiaridade dos feriados eslovenos, uma coisa que vai provocar inveja em vocês, queridos conterrâneos brasileiros: o feriado dobrado. Por exemplo: folga nos dias 25 e 26 de dezembro. Neste caso até tem justificativa. Por uma coincidência, o Dia da Independência do país cai exatamente no dia seguinte ao Natal.

    Não quero lembrar aqui que também se celebra a independência, na verdade o Dia da Nação ou do Estado, em 25 de junho. Não vou entrar nas minúcias a respeito das duas datas, o Google está aí funcionando para quem precisar.

    Prossigo tratando dos feriados dobrados apenas para citar que o Dia do Trabalho na verdade são dias, no plural: 1º e 2 de maio. Dizem que o passado socialista justifica a artimanha que honra o proletariado. Mas o que dizer do Ano-Novo, com feriado decretado nos dias 1º e 2 de janeiro? Só consigo encontrar explicação na prosaica história de que é preciso um dia para beber e outro para curar a ressaca.

    Continua após a publicidade

    Segundo a Wikipédia, o Brasil tem de 9 a 12 feriados por ano. Há variações, evidentemente, porque na conta precisam entrar os feriados locais, regionais, etc. Na Alemanha, são de 10 a 13. Aqui na Eslovênia, 14. Mas podemos trazer outros exemplos: Portugal, a Romênia, a Eslováquia e a Suíça, com 15; o Japão e a Islândia, com 16; a Áustria, com 18; ou até mesmo a Índia, onde o número de dias livres pode chegar a incríveis 42.

    Alguém fala que japonês é folgado porque lá “tem muito feriado”? Alguém fala que a Suíça “para dar certo precisa acabar com esse monte de folga”?

    Não.

    Na minha singela opinião de brasileiro, proletário e imigrante, de quem incontáveis vezes sacrificou os legítimos feriados por conta de plantões doloridos em uma redação de jornal, estamos aqui diante da síndrome do viralatismo militante que acomete a nossa brasilidade.

    Continua após a publicidade

    E, neste caso, o tradicional complexo ganha um ingrediente extra: a falácia da meritocracia, temperada com a arrogância do pequeno empresário que acha que os direitos trabalhistas são a causa do seu próprio fracasso — se não econômico-financeiro, pessoal.

    Siga o autor nas redes sociais:
    X (ex-Twitter)
    Facebook
    Instagram
    Threads

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.