Neozelandesa, a jovem cantora Lorde, de 24 anos, faz parte da exclusivíssima parcela da população mundial que não sofreu (tanto) com as agruras da pandemia. Graças à gestão exemplar da primeira-ministra Jacinda Ardern, bem como a uma série de traços culturais e geográficos da Oceania, a Nova Zelândia soma, desde março de 2020, 2.936 casos e 26 mortes por Covid-19. Lá a vida voltou a funcionar no pós-normal antes do resto do mundo. Talvez seja por isso que o alto-astral Solar Power, primeiro disco em quatro anos de Lorde, parece ter vindo de uma realidade alternativa – quer dizer, ao menos do lado de cá do sul global.
Não é necessariamente um problema: a positividade cai bem à Lorde, que, desde os 16 anos, com a estreia do aclamado Pure Heroine, narra com uma honestidade brutal as angústias em nada açucaradas da juventude. O segundo disco, Melodrama (2017), faz jus ao nome: “É o tipo de emoção que você experimenta aos 19 ou 20 anos”, disse a cantora à revista Vanity Fair, à época do lançamento. Desgarrada das tendências que regiam a indústria musical, ela não exaltava festas, garotos ou bebidas, mas fazia críticas a esse modo de vida teen até então cultuado pelos colegas e pelas redes sociais. O tom confessional de Lorde andou para que os de Billie Eilish e Olivia Rodrigo pudessem correr, e sua qualidade musical a alçou ao estrelato ainda adolescente. O hit global Royals, por exemplo, lhe rendeu dois Grammys quando tinha apenas 17 anos. Tamanha visibilidade a fez abandonar as redes sociais em 2018, adotar os anciões e-mails como forma de se comunicar e, com Solar Power, ela crava: está cansada dos holofotes.
Se o isolamento geográfico das ilhas da Nova Zelândia foi um dos fatores que impediu o país de sucumbir à catástrofe pandêmica, ele também aparece em Solar Power como um aliado às tentativas de escapar da vida de celebridades, da qual Lorde parece nunca ter se ajustado. Entre cigarrinhos suspeitos e banhos de Sol, a artista apresenta uma descrição sombria do estrelato adolescente (em The Path, faixa que abre o álbum, ela diz ser uma milionária teen que tem pesadelos com os flashes de paparazzi) até dar adeus a ela, ao andar “sozinha em uma ilha varrida pelo vento” e se negar a atender ligações da gravadora ou do rádio. O verão neozelandês a reenergizou: “É uma estação muito ligada à água. Um monte de gente vai à praia. Me sinto bem quando estou na praia, com o sol e a água brilhando, e aquela sensação poderosa. Era exatamente isso que queria capturar nesse novo disco”, disse.
Agora, como quem espera espantar de vez a imagem sombria tecida pelos dois primeiros álbuns, ela canta músicas tenras, leves, de fato solares. Lorde se deixa relaxar e abraça a natureza, caça cigarras para incluí-las como coadjuvantes de suas canções e exalta o azul do mar e o verde da grama. É uma nova era para Lorde. Como promete em Oceanic Feeling, seu batom escuro, marca registrada de outrora, está reunindo poeira na gaveta. “Eu não preciso dela mais”, canta.
Enquanto o pessimismo do mundo recrudesce com a pandemia, Lorde caminha na direção frontalmente contrária. Em tempos não-pandêmicos, a situação era inversa. Talvez Lorde venha diretamente do mundo invertido. Bom para ela – e que, em breve, possamos compartilhar do sentimento.