Primeira trans a adotar crianças no Brasil aponta problemas do processo
Alexya Salvador foi citada recentemente na novela ‘Renascer’
Em 2023, no Sistema Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, existiam pouco mais de cinco mil crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Por outro lado, na fila, mais de 34 mil pessoas ou famílias estavam dispostas a adotar. Uma dessas pessoas foi Alexya Salvador, 43, professora da rede pública de São Paulo, formada em Letras, Pedagogia e Teologia, hoje mãe de três filhos. Alexya foi a primeira mulher trans a adotar no Brasil, em 2015, quando completou sua família com Gabriel, atualmente com 19 anos. Em Renascer, novela da TV Globo, a educadora foi citada em uma das cenas, o que deu novos holofotes para sua história. Buba (Gabriela de Medeiros) queria adotar uma criança e decidiu buscar informações sobre os requisitos para adoção no Brasil.
A representante da instituição que a personagem visitou cita a história de Alexya, casada há 15 anos com Roberto Salvador, 34, também professor. “Esse era um sonho desde de criança, sempre falava que queria ter três filhos. Quando conheci o Roberto, a gente foi trabalhando essas questões, planejando. E queríamos ter filhos por adoção. Trabalhamos (o tema) desde 2009 e em 2015, quase seis anos depois, tivemos o nosso primeiro filho, o Gabriel, que tinha 9 anos”.
Ela relata à coluna GENTE que, mesmo sendo pioneira, teve muito apoio da família, da Igreja onde é reverenda – a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), e do grupo de apoio Acolher, que a ajudou no processo de adoção. “Como sou a primeira travesti a adotar no Brasil, depois da adoção do Gabriel, ganhei certa mídia e começaram a aparecer abrigos do Brasil todo. Mas eu queria adotar uma menina trans. Em 2016, um abrigo entrou em contato, e adotamos Ana Maria. Ela chegou com 10 anos e hoje está com 17. Depois, em 2018, a história se repetiu. Adotamos Deise, de 7 anos, uma menina trans negra, super emponderada, que hoje tem 12 anos. E as duas fazem acompanhamento no Hospital das Clínicas em São Paulo, para receber todo o apoio. Eu tinha tanto medo, principalmente pela Ana, por ser menina trans, quando ela não tinha o nome retificado. Por ser professora há tantos anos, sei como funciona o ambiente escolar. A escola ainda é um ambiente preconceituoso”.
Hoje, Alexya busca ser inspiração para outras trans. Ela também não deixa de pontuar o que acredita ser o maior empecilho no Brasil para que pessoas iguais a ela não consigam adotar: “A bancada evangélica, a bancada da Bíblia. Ainda existe, infelizmente, a parte fundamentalista da religião cristã, que vai ditar a regra para o senso comum da sociedade. Quando se fala que crianças trans não existem, isso mexe com a sociedade, muitos não vão buscar informação. Sou reverenda na ICM, a primeira igreja inclusiva fundada em Los Angeles. A fé sempre esteve presente na minha vida, fui católica a vida inteira. Fiz o seminário para ser padre antes da transição. Aprendi que sou perfeita, que Deus me criou da forma que sou. Não escolhi ser travesti, é da minha natureza”.