Desde 2017, Armando Babaioff, 42 anos, interpreta o mesmo personagem em uma peça de teatro. Na pele de Tom, em Tom na Fazenda, ele já fez mais de 300 apresentações e passou por diversos países, como no Festival TransAmériques (FTA), em Montreal, no Canadá, e no Festival d´Avignon, na França (em ambas ocasiões nenhum dos atores falou em inglês, a tradução era feita por legenda projetada para o público). Idealizador do espetáculo, que conta com patrocínio da Vivo, Babaioff interpreta o designer de uma agência publicitária, que viaja para o funeral do namorado, um jovem de 25 anos. Lá, ele descobre que a sogra (Soraya Ravenle) nem sabia da homossexualidade do parceiro e é envolvido numa trama de mentiras criada pelo irmão do falecido (Gustavo Rodrigues). O texto é do canadense Michel Marc Bouchard, que, segundo Armando, reconhece ser essa a melhor montagem de sua obra. Com 27 anos de carreira, o último trabalho de Babaioff na televisão foi na novela Bomsucesso (2019), da TV Globo. A seguir, o bate-papo com a coluna.
Seis anos depois da estreia, há desafios ao encenar o mesmo texto? Mudanças são sempre bem-vindas, mas a coisa mais curiosa é que ao longo de seis anos a gente passou por transformações na sociedade. A gente começou a ensaiar quando Dilma era presidente e, algum tempo depois, a gente elegeu Bolsonaro. A peça passou por todas essas fases e viu a mudança em cena. Discussões como homofobia, machismo, sexismo, misoginia são presentes na peça. E a peça não envelheceu, ela absorveu as discussões. A gente está em cima de uma grande fazenda que é a representação do patriarcado no país.
Vocês já encenaram no Canadá e França. Como é apresentar a peça em diferentes países? De alguma maneira, é um processo de decolonialismo, sabe? Fazer eles lerem legenda também. Mas a reação do Canadá não foi muito diferente da França. O curioso é a diferença com o público brasileiro. No Canadá, foi a primeira vez na vida que me perguntaram sobre a violência da peça. A peça é muito violenta, mas era diferente da maneira como as pessoas falam no Brasil. Foi lá que entendi que essa violência saiu de maneira espontânea, porque é a nossa maneira de traduzir a violência do Brasil, mas principalmente porque talvez a palavra aqui no país tenha perdido a força. Chamar alguém de ‘viado’ não é palavrão. No Brasil, a gente precisou ir além. A violência aqui é banalizada.
Você já ressaltou que “homossexuais aprendem a mentir antes mesmo de aprender a amar”. O quanto isso se relaciona com sua vida pessoal? É tudo muito junto. A gente que é artista não tem vida separada da arte. É difícil até de explicar como isso funciona. Porque não é tipo ‘desliguei meu cérebro’. Ele não desliga. Ao mesmo tempo que estou fazendo o imposto de renda, vivendo coisas mundanas, estou criando coisas. Essa frase me bateu de uma maneira contundente, porque me identifiquei nesse lugar. O processo de fazer Tom na Fazenda mexeu comigo. Quando pego o prefácio que diz “homossexuais aprendem a mentir antes mesmo de aprender a amar”, decidi que nunca mais ia mentir na vida. Porque isso só me fez mal.
E como surgiu a relação com Victor Novaes, seu namorado, e agora trabalhando juntos, já que ele faz a parte de mídias sociais da peça? Conheço o Victor há muitos anos, somos grandes amigos. Só que a gente se encontrou nesse lugar, no carnaval de Recife em 2020, o último antes da pandemia. Sempre fomos muito amigos, antes de mais nada. Nós somos muito parceiros, gostamos muito de falar de música, de teatro, de cinema.
Pretende voltar para novelas? Eu tenho tudo em Tom na Fazenda. É uma peça que passa por lugares que nenhum personagem de TV me proporcionou, nem no cinema. Fazer televisão é trabalhar para os outros, é uma empresa. A peça está tendo bastante êxito por onde passa, me sinto responsável em utilizar o Tom na Fazenda para fomentar o teatro no Brasil. Os aplausos mais longos da peça no Brasil, por exemplo, foram em Ribeirão Preto. Dei realmente uma pausa na televisão, recebi convites para fazer personagens, mas nada que tenha me interessado. Esse é o meu tempo, não é o tempo do dinheiro, do capitalismo. É o que quero fazer no momento.