Diretamente do seu gabinete no Congresso Nacional, onde ocupa o cargo de deputada Federal por São Paulo, Erika Hilton (PSOL) conversou com a coluna a respeito dos desafios enfrentados nesses nove primeiros meses em que quebra paradigmas na história da política do país. Primeira mulher trans neste posto do legislativo, aos 30 anos ela também serve de “modelo” fora de Brasília. Erika acaba de fechar contrato com a Joy Management – agência responsável por modelos como Lais Ribeiro, Coco Rocha, Rita Carreira e Aline Weber. Uma das mais potentes vozes em prol do combate ao preconceito, ela foi eleita uma das cem personalidades que vão impactar o futuro, segundo a Time. Assista à entrevista exclusiva.
A seguir, alguns trechos da entrevista com a deputada federal:
PRESSÃO. “A palavra ‘pressionada’ tem conotação um pouco ruim, traz uma negatividade. Mas sinto o peso da responsabilidade de ocupar de forma inédita certos espaços, sendo voz que aglutina a diversidade para representar os clamores dos movimentos sociais. Isso tem um peso. Não é sobre mim apenas, é sobre um conjunto de indivíduos que foram silenciados ao longo dos tempos”.
CRÍTICAS DE OUTRAS MULHERES. “Vejo isso de forma lamentável, todas nós mulheres deveríamos respeitar nossas diferenças. Nenhuma mulher é igual, todo grupo tem questões específicas. Podíamos estar juntas, numa só agenda, enfrentando o patriarcado e a violência que acomete a todas nós, ao invés de agir como algumas mulheres fazem, optando pela desonestidade intelectual e pelo mau-caratismo. É dessa maneira que classifico esse comportamento, que ataca grupo de mulheres que já são historicamente atacadas com utilização de um discurso biológico. Até porque a biologia não é uma ciência isenta de interesses. Já foi utilizada contra mulheres, contra negros, o próprio nazismo se utilizou de argumentos biológicos para defender uma supremacia branca… É esse discurso que se reproduz na fala de certas feministas”.
FEMINISMO. “O verdadeiro feminismo quer ver as mulheres muito além de um aparelho reprodutor, quer ver as mulheres como seres políticos, emancipadas, independentes economicamente. Essas mulheres atacam de forma covarde grupos de outras mulheres. Eu classifico como triste, porque dispensa energia para uma discussão que não é certa.
INIMIGO COMUM. “O nosso inimigo deveria ser o patriarcado, a desigualdade entre homens e mulheres, a vulnerabilidade de meninas em inicial estágio menstrual, entre outros. Qual é a ameaça que nós oferecemos? Elas não sabem responder. Escolheram se alinhar ao fascismo e a intolerância. É um discurso de ódio que, na sua maioria, vem de mulheres brancas, universitárias, privilegiadas economicamente, que elencaram essa pauta para atacar mulheres trans e travestir. É de uma desonestidade intelectual sem precedentes”.
NIKOLAS FERREIRA. “Da minha parte é o clima de desprezo pela pessoa dele. Não há um clima ruim, há um clima de desprezo. Acho que da parte dele há o mesmo sentimento. (…) Eu sempre soube que este não seria o espaço que me receberia de braços abertos. Tenho vários amigos parlamentares, homens e mulheres, mas sabia também da existência de uma extrema direita que ganhou espaço no Congresso Nacional. Usam todo tipo de ódio para me atacar. Meu corpo é marcado pela violência e ataques, mas estou preparada para enfrentá-las na mesma proporção que elas vêm”.
PRESIDENTA TRANS. “O Brasil nao está preparado, mas, sem dúvidas, está sendo preparado. Talvez o Brasil não esteja preparado nem para uma mulher negra, quiçá uma mulher transexual. Essa é uma pergunta que me ronda nas redes sociais, sempre tem alguém bombardeando lá como ‘minha presidenta’. Recebo com todo amor do mundo. Sei da preciosidade que é trabalhar o imaginário da minha comunidade. Tenho respondido cada vez mais que temos que votar melhor (na composição do) o Congresso Nacional. Hoje, com essa configuração do Congresso, que baita desafio seria para a primeira presidenta trans do Brasil. Mas acho que eu posso representar os interesses dessa nação para além do debate sobre gênero, sexualidade… Ocupar este cargo é dizer sobre muito mais do que isso. Vou me preparando para, quem sabe, um dia”.
VIDA DE MODELO. “A conciliação de agendas é um desafio grande. Que bom que a maioria das vezes a agenda de moda acontece aos finais de semana, quando não tenho obrigatoriedade de estar em Brasília. A política não faz eu abrir mão do que sou, não mata quem sou. É um desafio que me coloquei desde o começo. Há sempre uma tentativa de castração das mulheres na vida pública, como se tivéssemos que viver outra identidade. Eu não deixaria de experimentar minhas particularidades para vier a política”.
POLÍTICA CAFONA. “Gosto de moda, de passarela e do universo da política. Unir modelo e deputada, por que não? A moda é política. Falta mais moda na política, até porque as pessoas são completamente cafonas na política. Mas isso é uma outra questão. Moda é um ato político, um instrumento que foi transformado nos últimos anos pela negritude e atos indígenas para ser mais inclusiva”.
ENERGIZADA. “Faço terapia semanal, atividade física… A música, o cuidado comigo mesma, fazer um skincare, cuidado com o cabelo, a pele, o passeio com o namorado, ficar com a família e os amigos são meus mecanismos de defesa e equilíbrio da saúde mental. São meus recursos para não enlouquecer. Porque estar aqui é enlouquecedor. Tenho ouvido incansavelmente as músicas da Beyoncé. Mas sou eclética. Ouço de tudo”.