O anúncio do congelamento de R$ 15 bilhões de despesas públicas no orçamento deste ano confirma que é para valer o acordo entre o presidente Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad. O presidente pode, como disse em entrevista à TV Record, “não estar convencido” da necessidade de cortes nos gastos públicos ou achar que “você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”, mas como este colunista insiste, o que Lula faz é mais importante do que tomar como verdade literal tudo o que Lula diz (para ser justo, o aforisma é verdade para qualquer líder político). E os fatos neste momento são de que Lula está, para usar um jargão do mercado financeiro, comprado em Haddad.
Aos fatos:
- Os R$ 15 bilhões de congelamento eram o valor máximo apresentado pelos ministros Haddad e Simone Tebet. Integrantes das duas equipes achavam que Lula iria reduzir o montante para R$ 10 bilhões ou R$ 12 bilhões. O aval de Lula, no entanto, foi dado numa reunião de menos de duas horas, o que mostra que o presidente já havia concordado com a premissa de Haddad e Tebet, e com a presença do principal opositor das restrições, o ministro Rui Costa.
- Mais que o valor total, é relevante observar a composição da trava de gastos: são R$ 11,2 bilhões em bloqueio e R$ 3,2 bilhões em contingenciamento. No primeiro caso, é dinheiro que não será gasto em qualquer hipótese porque o Tesouro reconheceu publicamente, pela primeira vez, que os gastos públicos de 2024 estão acima do projetado. Esses R$ 11,2 bilhões não voltam mais à mesa. Os R$ 3,2 bilhões do contingenciamento são resultado da incerteza do lado das receitas, outra admissão de fragilidade que o Tesouro estava evitando. É uma transparência que o mercado reclamava há meses.
- Pela primeira vez não haverá restrição a programas que podem sofrer bloqueios, o que significa que vacas sagradas do petismo como os ministérios da Saúde e da Educação serão restringidas.
- Foi do próprio Lula a decisão de anunciar publicamente a decisão ainda na quinta-feira à noite e não como previsto na segunda-feira, dia 22, quando será anunciado o Relatório de Receitas e Despesas. O anúncio antecipado diminuiu as especulações.
- Ao contrário do que o próprio governo havia antecipado, o anúncio não incluiu as previsões de dinheiro que pode ser economizado com o combate à fraudes nos cadastros dos benefícios sociais. Supõe-se que o pente-fino sobre os benefícios pode reduzir gastos em até R$ 20 bilhões por ano, mas é um valor estimado. Ao excluir essa estimativa do anúncio, o congelamento ganha credibilidade.
- Horas antes da reunião de Lula com Haddad, Tebet e Rui Costa, o presidente se reuniu com os ministros da Justiça, da Previdência e do Desenvolvimento Social e anunciou que o combate às fraudes será tocado pela Polícia Federal, e não pelos órgãos internos de controle. A entrada da PF com o aval de Lula revela uma intervenção nas concessões de benefícios sociais nunca vista num governo do PT.
- A reação inicial de alguns executivos do mercado de que o valor é insuficiente para garantir a promessa de déficit de 0,25% neste ano revela mais viés do que frieza. Primeiro porque o anúncio dos R$ 15 bilhões é apenas uma reação do Relatório de Receitas e Despesas que será divulgado na segunda-feira. No estágio atual, nada impede que outros contingenciamentos e bloqueios sejam decretados se o relatório de setembro também vier abaixo das expectativas. Para ser honesto, até dias atrás o mercado havia desistido de debater o cumprimento da meta de 2024, concentrando as suas apostas para 2025. Agora, 2024 voltou para a mesa.
Na terça-feira, dia 16, depois de duas semanas de relativa calma, o mercado financeiro voltou à taquicardia com o vazamento de trechos selecionados da entrevista de Lula à Record. Não foram vazados, por exemplo, trechos nos quais o presidente dizia que governo federal vai “fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal” ou lembrar que na sua campanha “eu dizia vamos criar um país com estabilidade política, jurídica, fiscal, econômica e social”, apenas os que ele mostrava menos empenho com a política fiscal. O nome disso é manipulação de mercado.
Separando luz do calor, existe um raciocínio que trabalha a favor do apoio de Lula a Haddad que é muito mais forte do que as idas e vindas do dólar ou da bolsa: se a meta de déficit não for atingida em 2024, o Arcabouço Fiscal prevê uma série de gatilhos para o orçamento de 2025 e possíveis bloqueios no orçamento do ano que realmente importa, o de 2026, quando Lula disputará a reeleição. Isso significa que convencido ou não, contrariado ou não, Lula está neste momento disposto a aceitar o que for necessário para cumprir as metas de 2024.
O compromisso de Lula com o ajuste fiscal neste momento não significa que em 2025 ou 2026 o seu governo não solte os gastos, como fez Jair Bolsonaro para tentar a reeleição. Fazer previsões de médio prazo no Brasil, no entanto, é pura especulação. Por agora, vale o escrito.