A maior ameaça do terremoto Pablo Marçal não é sobre o poder da família Bolsonaro sobre o seu eleitorado, mas na capacidade de o governador Tarcísio de Freitas liderar a oposição antipetista em 2026. Desde que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi julgado inelegível no ano passado, Tarcísio se colocou como o herdeiro de uma oposição que juntaria o radicalismo da extrema-direita sob um rosto mais moderado. O sucesso de Pablo Marçal despedaça essa ilusão.
O projeto Tarcísio seria um bolsonarismo que come com talheres. Marçal é o retrato do bolsonarismo radicalizado, que não apenas come com as mãos, como ainda derruba a mesa. Marçal é a combinação de Bolsonaro e dos presidentes da Argentina, Javier Milei, e de El Salvador, Nayib Bukele.
O sucesso da campanha do coach de autoajuda para prefeito de São Paulo mostra que o estilo contra-tudo-que-está-aí é popular, engaja o eleitor mais radical e pode engolir uma candidatura mais comportada, como a do prefeito Ricardo Nunes. É o contrário do que Tarcísio de Freitas havia sinalizado para 2026, quando preparava uma campanha na qual o bolsonarismo radicalizado entraria com os votos, porém enquadrados sob a sua liderança. Marçal mostra que a extrema-direita não será controlada facilmente.
Sem saber como parar Marçal, os adversários foram à Justiça. Neste sábado, 24, a Justiça Eleitoral suspendeu o acesso de Marçal às suas redes sociais, o reino dominado pelo coach. Na sexta-feira, 30, começa o horário eleitoral de rádio e TV, com Nunes tendo mais de 6 minutos de propaganda por dia.
Na nova pesquisa Datafolha para prefeito de São Paulo, o candidato do presidente Lula, Guilherme Boulos, tem 23%, Marçal tem 21% e Ricardo Nunes, 19%. Isso é só a ponta do iceberg. Entre os eleitores que se dizem bolsonaristas, 46% dizem que vão votar em Marçal, ante 26% de Nunes. Entre os que votaram em Tarcísio, os que preferem Marçal subiram de 25% para 41%, enquanto os que escolhem Nunes encolheram de 41% para 28% em um mês.
A reeleição de Ricardo Nunes é essencial para o projeto presidencial de Tarcísio. Só com uma vitória em São Paulo, Tarcísio deixa de ser o poste que Bolsonaro fez eleger em 2022 e passa a ter base eleitoral. Um eventual segundo turno entre Marçal e Guilherme Boulos em São Paulo é uma derrota do governador, que permaneceria refém do ex-presidente para uma candidatura em 2026. Assim como já rompeu e se reconciliou com dezenas de aliados, Bolsonaro poderia se juntar a Marçal no futuro. Tarcísio não tem essa opção.
Não é a primeira vez que um outsider assusta o establishment paulistano. Em 12 setembro de 2012, o apresentador de TV Celso Russomanno liderava as pesquisas com 32%, com o ex-governador José Serra em segundo lugar com 20% e Fernando Haddad com 17%. Depois que os adversários mostraram que uma das propostas de Russomanno era fazer com que os passageiros de ônibus pagassem por distância percorrida, prejudicando os moradores da periferia, ele terminou a campanha em terceiro lugar.
Nos últimos dias, as campanhas de Nunes e Boulos divulgaram vários casos de envolvimento de Marçal e pessoas próximas com crimes que vão de estelionato à ligação com facções criminosas. Por enquanto, assim como aconteceu com Jair Bolsonaro em 2018, nada colou. Na sexta-feira, Marçal minimizou as acusações: “tenho a ficha mais leve (entre os candidatos)”. É uma resposta tosca, mas suficiente para uma parcela gigante do eleitorado paulistano.