O ministro sob vigilância
Contratado para ser o craque do time, Guedes virou o jogador que os colegas temem que faça gol contra
Quando a história do economista Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia for contada irá incluir com destaque o vídeo recortado pela CNN Brasil, no qual ele é retirado de uma entrevista coletiva pelo seu colega da articulação política, general Luiz Ramos, e o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros.
O episódio revela a insegurança que o núcleo político do governo Bolsonaro tem quando Guedes começa a falar. Mais grave: pela perspectiva puramente política, Ramos e Barros tinham razão em interromper a fala do ministro.
A cena completa dura 1 minuto e 31 segundos. Inicia com Ricardo Barros, ao lado de Guedes e do general Ramos, se comprometendo a não aumentar a carga tributária. A declaração é importante porque contradiz a medida provisória enviada pelo governo que aumenta brutalmente a taxação do setor de serviços na fusão do IPI e COFINS e, principalmente, com os estudos do Ministério da Economia para recriar a CMPF como um imposto sobre transações digitais.
Disse Barros na entrevista: “Não haverá aumento de carga tributária. Então esses pressupostos precisam ficar claros: não tem aumento de carga tributária, tem compromisso com o teto gastos e com o rigor fiscal”. A seguir, Barros tentou ir embora, mas Guedes se aproximou do púlpito e, se dirigindo aos jornalistas, complementou:
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Clique e Assine“Inclusive o seguinte, inclusive o seguinte, pessoal. As prioridades são emprego e renda, retomada do crescimento, dentro do nosso programa de responsabilidade fiscal. Então vamos ter de buscar, como disse o…, queremos desonerar, ajudar a criar emprego, facilitar a criação de empregos? Então vamos fazer um programa de substituição tributária”.
A expressão de Barros, ao lado de Guedes, mudou quando ouviu “substituição tributária”, mas o ministro da Economia seguiu: “Da mesma forma, queremos criar renda? Sim, então vamos ter de fazer, vimos a importância, 38 milhões de brasileiros que eram os invisíveis (aqui ele refere aos beneficiados pelo Auxílio Emergencial não cadastrados em programas sociais), temos que ajudar essa turma a se reincorporar ao mercado de trabalho. Então, temos de desonerar a folha (de pagamentos) e por isso a gente precisa de tributos alternativos para desonerar a folha e ajudar a criar emprego. E renda? a mesma coisa, vimos como ajudou o auxílio emergencial, como isso ajudou a manter o Brasil respirando e atravessando essa onda da crise. Então, nos temos de fazer uma aterrisagem suave do programa de auxílio emergencial, que exatamente o que estávamos estudando”.
Quando ouviu Guedes falar em “tributos alternativos”, Barros fez cara feia, olhou para Ramos e disse baixo “tá bom, tá bom, muito bem, deu, deu, vamos lá”. Ramos cutucou Paulo Guedes para que ele parasse de falar, lhe tocou o ombro e o conduziu para a saída. Quando os três, finalmente, caminham em direção a seus carros, Paulo Guedes se voltou aos jornalistas, apontou os colegas, e fez blague: “Agora tem articulação politica”.
Ao dizer que estuda uma “aterrisagem suave” do Auxílio Emergencial, Guedes contou que está contrariando a ordem pública do presidente Bolsonaro de criar um programa substituto para o Bolsa Família.
No idioma da política, quando Paulo Guedes falou em “substituição tributária” e “tributos alternativos”, ele deu a senha sobre o envio de uma proposta formal de recriação da nova CPMF, um tema tabu no Congresso. A reação popular a uma nova CPMF é péssima e nenhum político gostaria de trazer o tema à tona durante as eleições municipais. Com a frase de Guedes, agora todo parlamentar bolsonarista candidatos nas eleições de novembro terá de responder nos debates se votará a favor da volta da CPMF. Para não perder votos, todos negarão, aumentando a impressão geral entre os parlamentares que o desgaste com o novo imposto não vale o esforço. Por isso, o desespero de Ricardo Barros em afastar Guedes dos microfones. É como se o ministro Guedes boicotasse suas próprias ideias.
Contratado para ser o craque do time, hoje Guedes é o jogador que os companheiros temem que faça gol contra. As suas comparações de servidores como “parasitas”, políticos como “monstros do pântano” e colegas ministros como “turma do fura-teto” o transformaram em uma das figuras mais impopulares de Brasília, e olha que a concorrência é grande. Desde a pandemia, ele tem dado raras entrevistas on the record, preferindo falar em lives com bancos, onde não existem perguntas incômodas. Mesmo assim, ele se enrolou sozinho em várias, antecipando medidas econômicas inviáveis politicamente, como o fim do seguro desemprego e do abono salarial, e que não tinham a aprovação do presidente.
O episódio de quarta-feira reflete esta fragilidade. Depois de fracassar em entregar ao presidente um projeto viável de substituição do Auxílio Emergencial e de ser forçado a abandonar a articulação política das medidas econômicas, Guedes se tornou um ministro incômodo, que precisa ser vigiado para não falar demais.