Analisar o governo Lula com seriedade exige como premissa compreender que existe uma diferença entre o que Lula diz e o que Lula faz. O presidente, como vários políticos antes dele, dá declarações para marcar posição e responder aos anseios da sua militância que, por muitas vezes, não correspondem às atitudes que os seus auxiliares estão tomando. É a política como ela é.
Na manhã da quarta-feira, horas antes do anúncio do resultado do Copom (Comitê de Política Monetária), Lula deu entrevista à rádio CBN no qual desancou o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, e, na leitura apressada de alguns analistas, pressionou os quatro diretores indicados por ele a votarem por um corte na taxa de juro. São precisas altas doses de ingenuidade para achar que o presidente daria recados ao BC usando uma entrevista no rádio, mas tão grave quanto esse engano é não entender que Lula fazia uma vacina. Ele havia recebido informações de que a tendência do Copom era de manter os juros em 10, 5% por unanimidade, mas precisava marcar a narrativa de que ele não tinha responsabilidade e nem apoiava a decisão. Lula não falou para Campos Neto, para o diretor Gabriel Galípolo ou o mercado financeiro, mas para os seus militantes.
A frase de Lula na quarta-feira: “É preciso baixar a taxa de juros, compatível com a inflação. A inflação está totalmente controlada. Agora fica se inventando discurso de inflação do futuro (as projeções do mercado sobre a alta da inflação até o fim do ano). O que mais nós queremos é que o Banco Central se comporte na perspectiva de ajudar esse país, e não de atrapalhar o crescimento do país”.
Na quinta-feira, em entrevista à rádio cearense Verdinha, o presidente comentou: “Foi uma pena que o Copom manteve, porque quem está perdendo com isso é o Brasil, é o povo brasileiro, porque quanto mais a gente pagar de juros, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro”.
A narrativa de Lula como o defensor dos interesses do povo estava intacta, apesar de que os quatro diretores indicados por ele haviam concordado com os juros a 10,5%. De quebra, o presidente retomou os ataques a Campos Neto, que semanas atrás jantou na casa do pré-candidato da oposição, Tarcísio de Freitas.
Lula comete esse duplipensar frequentemente. No começo do governo, apoiou os pedidos das centrais sindicais por um aumento de 20% no salário mínimo para meses depois o governo reduzir a proposta de 7%. Em junho do ano passado, ele deu uma entrevista atacando a rigidez da meta de inflação de 3% no mesmo dia em que o Conselho Monetário Nacional (CMN) iria decidir o assunto. Era puro show para a torcida. No CMN, os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet votaram pela meta de 3% e nunca foram incomodados pela posição. Neste ano em várias ocasiões ele defendeu a greve dos servidores públicos, embora o seu governo proponha aumento salarial apenas para o ano que vem.
Interpretar literalmente tudo o que o presidente diz é a forma mais fácil de não entender o que ele está dizendo e fazendo.
*
Na entrevista à rádio CBN, o presidente Lula da Silva definiu assim a sucessão no Banco Central: “na hora que eu tiver que escolher o presidente do Banco Central, vai ser uma pessoa madura, calejada, responsável, alguém que tenha respeito pelo cargo que exerce, que tenha respeito, e alguém que não submeta às pressões de mercado. Alguém que faça aquilo que for de interesse dos 203 milhões de brasileiros”.
A declaração foi compreendida como um veto ao favorito à presidência do BC, o diretor Gabriel Galípolo. Aos 42 anos, Galípolo de fato não corresponde à imagem geral de uma pessoa “madura e calejada”, mas se a decisão fosse hoje, com certeza Galípolo seria o indicado. Ex-presidente do Banco Fator, único executivo do mercado financeiro a participar da campanha de Lula em 2022 e ex-número dois do Ministério da Fazenda, Galípolo é calejado o suficiente para o presidente.
Ele pode terminar não sendo indicado porque a política brasileira é volátil, mas é exagerado achar que a declaração do presidente indica a escolha de outro para o BC.
O trecho mais importante da entrevista foi Lula responder sobre o que espera do próximo Banco Central, que a partir de 2025 terá sete dos nove diretores indicados por ele. “Vou escolher um presidente do Banco Central que seja uma pessoa que tenha compromisso com o desenvolvimento desse país, com o controle da inflação e pensar também em uma meta de crescimento. Porque é o crescimento econômico, é o crescimento da massa salarial, que vai permitir que a gente possa controlar a inflação com uma certa tranquilidade”. A pressão de Lula sobre o próximo presidente do BC não vai se restringir aos juros, mas também no apoio ao crescimento e isso, sim, pode fazer toda a diferença.