A candidatura Sergio Moro deu o primeiro passo errado com o anúncio do professor Affonso Celso Pastore como conselheiro econômico, numa repetição farsesca de quando Jair Bolsonaro anunciou Paulo Guedes como o seu “posto Ipiranga”. Com a manobra, Bolsonaro e Guedes venderam a ideia de que o então deputado de larga carreira corporativista deixaria a economia nas mãos do liberal Guedes, garantia que deu passe livre para o establishment econômico embarcar na candidatura direitista. Mas como expliquei no livro “O Pior Emprego do Mundo”, superministros e boitatás não existem.
No regime presidencialista brasileiro, o poder de um ministro não é um direito, mas uma concessão de quem recebeu os votos. O presidente concede parte do seu poder a um ministro, mas pode tirar com uma assinatura. Em três anos de governo, Guedes virou um ministro qualquer, que só mantem o cargo por se submeter aos caprichos do chefe e cumprir a agenda econômica da reeleição. Foi ingenuidade de Guedes e da turma do mercado financeiro supor que um presidente eleito com 57,8 milhões de votos se submeteria a um assessor sem nenhum voto.
Note bem: Pastore está longe de ser Guedes. Presidente do Banco Central na crise da moratória de 1983-85, um dos mais conceituados estudiosos sobre os efeitos do câmbio e inflação na economia, dos poucos economistas que sabe fazer contas E escrever em português, Pastore é o que se convencionou chamar de ortodoxo. No seu último livro (que Moro diz estar lendo) “Erros do Passado: Soluções para o Futuro”, Pastore projeta um longo período de desvalorização do real como uma oportunidade para abrir a economia para importações de bens de capital e dar um choque de produtividade na indústria. Ele também escreve sobre a urgências das reformas administrativa e tributária, de um novo regime fiscal e de privatizações _ temas que Moro passou a recitar nas conversas como candidato.
Inteligente, Pastore se apresou em descartar a hipótese de ser um novo “Posto Ipiranga” e, pela idade, de virar ministro em um eventual governo Moro. “O que me anima é que ele (Moro) está disposto a me ouvir. Eu vou dizer o seguinte: ele tem uma noção muito clara dos problemas econômicos e é capaz de colocar perguntas inteligentes que encaminhem a discussão para respostas que façam sentido. É uma coisa muito diferente de uma relação de economista com alguém que não entende nada e não quer entrar na discussão”, disse ao Estadão, aludindo em como ele imaginar ser a relação de Guedes com Bolsonaro.
É difícil, por enquanto, comprovar a afirmação de que Moro faz “perguntas inteligentes” porque o ex-juiz tem evitado entrevistas. Ele deu entrevistas amigas na TV Globo, a um ex-apresentador do Big Brother Brasil, e a um site que o apoia ostensivamente. Numa visita de cortesia à agência de notícias Bloomberg, Moro respondeu rapidamente algumas perguntas, defendendo um “capitalismo cristão”, seja lá o que isso for. Na entrevista à TV Globo, Moro reproduziu generalidades como “temos que controlar esses aumentos de combustíveis com as políticas econômicas certas” (o que faria sentido se ele identificasse as política erradas).
Por breves períodos, o Brasil teve ministros da Fazenda que realmente exerciam o poder no limite. Delfim Netto no governo Medici (1969-74) aproveitou o AI-5 para mudar os impostos cobrado pelos Estados, Dílson Funaro decidiu manter o congelamento de preços em 1986 para cimentar suas ambições políticas e em 1993 FHC autorizou a compra da dívida externa brasileira no mercado secundário com a ordem de que Itamar Franco não fosse informado. Mas são exceções e todas com presidentes que não foram eleitos. Todos os demais ocupantes do 5.o andar do Ministério da Fazenda tiveram de negociar suas decisões com os outros ministros, o Congresso, o STF, a opinião pública e, por último, mas não em último lugar, o presidente.
Quem assumir o Brasil em 2023 terá como herança uma recessão, um regime fiscal destrambelhado e um câmbio desequilibrado _ isso na hipótese mais otimista. Depois da experiência catastrófica de Guedes como superministro, tudo que o País não precisa é de um candidato use um fiador como escudo para não responder questões essenciais sobre inflação, desemprego e desigualdade. Não dá mais para ter candidato se escondendo atrás de Postos Ipirangas.