É ilusão imaginar que as eleições municipais de novembro serão um plebiscito sobre o governo Jair Bolsonaro. A história e as pesquisas confirmam que disputas locais são sobre buracos de rua, a falta de remédios no posto de saúde e o ônibus que chega tarde, cheio e custa caro. É lógico que muitos eleitores poderão escolher seus candidatos em função do seu apoio ou oposição a Bolsonaro, mas para a grande maioria quem estará sob pressão é o prefeito, não o presidente.
Mas se esta não será a eleição de Bolsonaro, é muito provável que seja a do julgamento da Nova Política. O movimento da antipolítica que em 2018 elegeu Bolsonaro, meia dúzia de governadores e quase uma centena de deputados federais terá seu primeiro teste.
Em 2018, não ser político era um bônus, uma prova de que o sujeito não estava envolvido em desvio de dinheiro público. Dois anos depois, os resultados pífios da administração de Wilson Witzel (Rio de Janeiro), Romeu Zema (Minas Gerais), Carlos Moisés (Santa Catarina) e Ibaneis Rocha (Distrito Federal) revelaram o risco de se apostar na renovação a qualquer preço. No combate à pandemia de Covid-19, a inexperiência administrativa, o gosto pelos factoides e a falta de coerência fizeram os Estados com governadores novatos terem mais problemas do que aqueles com políticos tradicionais.
O ambiente político também mudou. A eleição de 2018 foi uma catarse. O brasileiro era um eleitor raivoso, pronto a usar o seu voto como uma arma para expulsar os velhos políticos. Agora, o que se sente nas ruas é preocupação e medo do futuro, sentimentos que favorecem candidatos mais conhecidos e prefeitos no cargo. A renovação deixou de ser um bônus.
Esta será a primeira eleição com proibição de coligações nas candidaturas proporcionais. Acabou o sistema no qual o eleitor votava no candidato do partido X e ajudava a eleger o do partido Y. Agora, ao votar no candidato do partido X, o seu voto só contará para o partido X. Isso fez com que vários partidos estimulassem candidaturas próprias a prefeito, mesmo sabendo que elas não têm viabilidade, apenas para ajudar a votação da chapa de vereadores.
As convenções partidárias vão até quarta-feira (16/09) e a campanha em rádio e TV começa no dia 29 _ 49 dias antes do primeiro turno. Com a impossibilidade dos comícios e aglomerações, esta deverá ser uma campanha com menos corpo-a-corpo e uso intensivo das mensagens distribuídas por listas de WhatsApp. Os candidatos com listas de eleitores já fidelizados (atuais vereadores, pastores, etc) terão vantagem sobre os novatos.
Bolsonaro tem apenas um candidato in pectore, o problemático prefeito do Rio, Marcelo Crivella, cujo partido abriga a candidatura a vereador do filho do presidente Carlos e da ex-mulher Rogéria. No resto do País, o voto bolsonarista está fragmentado. Em São Paulo, onde ele recebeu 60% dos votos no segundo turno, sete candidatos tentam seduzir o eleitor do presidente, incluindo o do Partido Socialista e o ultraliberal do Novo.
A ausência do presidente no primeiro turno é tática. Bolsonaro não conseguiu criar um partido próprio e não tem, de fato, uma base de candidatos municipais. É difícil imaginar o presidente entrando em disputas onde não tem certeza das vitória. Ele deve escolher as batalhas, como derrotar o PSDB de João Doria em São Paulo ou evitar que a esquerda vença em Porto Alegre.
As eleições municipais não servem para antecipar o pleito seguinte, mas influenciam como os candidatos e partidos planejam suas próximas campanhas. Uma derrota de Bruno Covas na tentativa de reeleição em São Paulo, por exemplo, elimina a candidatura João Doria. Um bom desempenho do PSOL em São Paulo e Rio e da dupla PDT-PSB irão acentuar o isolamento do PT.
É como um ponto de largada. Em 2000, o PT investiu nas cidades médias do Sul e Sudeste e levou prefeituras de Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos, Piracicaba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa, Pelotas, Santa Maria que formaram um colchão para a candidatura de Lula. Em 2012, Eduardo Campos se convenceu a se candidatar depois dos bons resultados do PSB nas eleições municipais. Em 2016, o filho mais de velho de Bolsonaro, Flavio, teve só 10% dos votos para prefeito do Rio, mas aquela eleição já demonstrava o tamanho da rejeição da elite à esquerda. Bispo da Igreja Universal, ex-ministro de Dilma e três vezes derrotado nas eleições majoritárias, Marcelo Crivella era o perfil do político menosprezado pela elite carioca. Mas em 2016, contra Marcelo Freixo, do PSOL, Crivella teve o voto majoritário da zona Sul. O mesmo fenômeno se repetiu dois anos depois com o capitão Bolsonaro enfrentando o petista Fernando Haddad. Os sinais da força do antipetismo estavam dados.
É no governo Bolsonaro, no entanto, que as eleições municipais poderão ter maior influência. Uma vitória de candidatos pró-Bolsonaro nas regiões mais pobres vai confirmar o poder do Auxílio Emergencial como fator eleitoral para a reeleição do presidente. Isso vai ampliar a pressão por programas assistencialistas mais amplos, mais obras federais e menos cautela com os gastos públicos.
Saber ler 2020 será fundamental para se preparar para 2022.