Nêmesis do governo Lula, a organização dos evangélicos no Congresso nasceu do debate sobre orientação sexual. O ano era 1987 e o relator do capítulo da Constituição sobre os Direitos Humanos e Minorias, senador José Paulo Bisol, havia escrito no seu parecer que entre as garantias de cada brasileiro estava a de não ser discriminado pela “orientação sexual”. “Isso precisa ser eliminado”, discursou o deputado e pastor Antônio de Jesus. Logo depois outro deputado evangélico, Costa Ferreira, disse que o artigo colocaria na cadeia quem “achasse feio” dois homens se acariciando em público. Um terceiro parlamentar religioso, José Fernandes, defendeu o fim do preconceito, mas com a substituição de palavra “orientação” por “comportamento” ou “desvio sexual”.
Bisol foi, inicialmente, irônico, dizendo que se quisessem manter o preconceito contra as minorias os deputados deveriam propor a emenda “é permitido discriminar os homossexuais”. Embora dos 59 deputados da comissão apenas 8 se declarassem evangélicos, a reação mostrou pela primeira vez a capacidade do grupo de formar alianças com outros setores, como os parlamentares ligados à igreja católica e os ruralistas.
Pressionado, Bisol aceitou trocar a expressão “orientação sexual” por “comportamento sexual”, o que foi aceito inicialmente pelos deputados evangélicos, mas a trégua durou pouco. Na votação final, o deputado José Fernandes voltou à tribuna e afirmou que aprovar o artigo traria ao Brasil “a maldição que assolou Sodoma e Gomorra”. A exclusão do artigo foi aprovada por 317 votos a 130.
No livro “A Bancada da Bíblia” (editora Todavia, 304 páginas, custando R$65,22 o livro e R$ 61,96 a versão eletrônica), o jornalista André Ítalo Rocha recupera o episódio como o batismo da ação política das igrejas evangélicas. Embora tivessem apenas 32 dos 559 constituintes, os evangélicos conseguiram agir com unidade, usar seus fiéis para pressionar os parlamentares e serem reconhecidos como nova força política. Na mesma constituinte, os evangélicos foram a ponta de lança para a aprovação do mandato de cinco anos para o presidente José Sarney em troca de concessões de dezenas de emissoras de rádio e tv.
A bancada evangélica, diz Ítalo Rocha, reúne interesses contraditórios que muitas vezes refletem a competição entre as igrejas. Isso explica a capacidade de metamorfose de vários líderes religiosos em apoiar e repudiar governos de esquerda ou de direita num zigue-zague ideológico tão plural quanto as interpretações da Bíblia.
Maior fenômeno social brasileiro do século 21, o avanço do evangelismo no País produziu ótimos livros. Juliano Spyer, em “Povo de Deus”, e Victor Araújo, em “A Religião Distrai os Pobres?”, são essenciais. Anna Virginia Balloussier, em “O Púlpito”, retrata o fenômeno pela ótica de quem crê. Bruno Paes Manso detalhou as ligações cruzadas dos ‘traficrentes’ em “A Fé e o Fuzil”. Gilberto Nascimento na biografia de Edir Macedo “O Reino” e Andrea Dip, em “Em nome de quem?” mostram o projeto de poder que inspira muitos líderes religiosos. Ítalo Rocha retrata o crescimento dos evangélicos pelos seus passos nos corredores verde e azul do Congresso Nacional.