Em sua primeira vez defendendo um caso nos tribunais sul-coreanos, a advogada pede paciência e esclarece: “Para muitos, minha fala e minhas ações podem parecer estranhas, mas tenho amor pela lei e respeito pela ré, assim como qualquer advogado”. Woo Young-Woo (Park Eun-bin) é uma mulher de 27 anos com transtorno do espectro autista (TEA) que acaba de entrar para um renomado escritório de advocacia em Uma Advogada Extraordinária, mais um dorama – ou k-drama, as novelas coreanas – que atesta o triunfo inegável das produções orientais no streaming. Distribuída internacionalmente pela Netflix, a série contabiliza, desde sua estreia na plataforma, oito semanas no ranking das dez séries mais assistidas em língua não-inglesa – sete delas no topo. E supera títulos de peso: na semana entre 22 e 28 de agosto, somou 53.890.000 de horas assistidas no mundo, enquanto a tão incensada Sandman fez 53.790.000 horas.
O sucesso é tamanho que uma segunda temporada da série já foi confirmada para 2024 pela emissora original, a ENA. Uma Advogada Extraordinária também conquistou os espectadores brasileiros: por aqui, são cinco semanas no Top 10. Com roteiro divertido e uma boa dose de sensibilidade, o drama jurídico em formato procedural apresenta casos diversos com reviravoltas interessantes – sempre amparados por saídas alternativas que passam despercebidas para os advogados da equipe, mas não para a brilhante Woo. A personagem não falava até os 5 anos de idade. Porém, ao testemunhar seu pai sendo agredido por um vizinho, começou a declamar perfeitamente uma lei de lesão corporal, o que chocou o homem: sua filha havia memorizado um calhamaço de direito penal em casa.
Apesar do alto QI e de uma memória excelente, a agora adulta Woo tem dificuldades em lidar com certas situações sociais. Tais momentos – semelhantes aos da série-conforto Atypical, da Netflix, que também traz um protagonista com autismo – provocam riso, mas a produção é honesta ao mostrar que o comportamento ficcionalizado pode ser, na verdade, desconfortável para a pessoa com esta condição. Apesar de romantizar um pouco a figura do “gênio neuro-divergente”, a série se esforça para romper estereótipos e, de quebra, provoca reflexões. Na trama, o terceiro de dezesseis episódios é um dos pontos altos, quando a equipe busca livrar um rapaz autista da estranha acusação de ter matado seu irmão mais velho. O roteiro ilustra que o TEA, tratando-se de um espectro, é diverso e complexo. Não se trata, afinal, de uma experiência universal – e, aqui, a série dá um show de representatividade.
Paralelamente, toda a densa bagagem da narrativa é exposta com delicadeza, e um tom brincalhão torna o ritmo leve. Com a ajuda do pai dedicado e de uma melhor amiga de infância, Woo vai superando os novos obstáculos da vida adulta e conquistando novas amizades, como a do charmoso Lee Jun-ho (Kang Tae-oh) – rapaz que, fascinado, escuta Woo tagarelar sobre seu assunto favorito: baleias. A produção, é claro, não escapa dos clichês novelescos característicos dos doramas, como infortúnios familiares e conflitos amorosos. Esse, afinal, é o charme do gênero que a Netflix hoje inclui em massa no seu catálogo. Já o motivo para o sucesso de Uma Advogada Extraordinária talvez resida no cuidado ao contar a vida de uma personagem que é, sim, diferente – mas compartilha com todos a ambivalência das experiências humanas. Conforto desde o primeiro play.