Desde a estreia em agosto, a novela Nos Tempos do Imperador já provou se valer de muita licença poética para contar a história do Brasil sob comando de Dom Pedro II (1825-1891). O desapego aos fatos é compreensível: como todo folhetim da faixa das 6, a trama tem de ser leve, bem-humorada e capaz de rechear capítulos com reviravoltas cativas ao público. A abordagem romanceada, contudo, não agradou alguns membros da família real brasileira, descendente direta do imperador. Acusando a Rede Globo de “atacar contra a honra” do monarca, representantes da Orleans e Bragança publicaram uma nota de repúdio nas redes sociais do Pró Monarquia, grupo de simpatizantes do sistema de governo abolido em 1889.
A opinião, porém, não é consenso entre todos os remanescentes da família real. Em entrevista a VEJA, o príncipe Dom João Orleans e Bragança, trineto do imperador, disse que não só discorda da postura dos primos, como também “gosta muito” do folhetim e do retrato feito do monarca. Confira abaixo:
O senhor não assina a nota de repúdio ao lado de seus familiares. O que pensa da novela Nos Tempos do Imperador? Eu gosto muito da novela. Sou amigo de atrizes e atores do elenco, e mandei mensagem a eles dois meses atrás. Todos agradeceram o meu apoio. Qualquer manifestação cultural baseada em fatos históricos, seja no teatro, no cinema ou na literatura, é romanceada. Fazer uma novela e se atentar apenas aos fatos é receita para baixa audiência, então tomam-se certas liberdades para criar um enredo que seja interessante para o público. Naturalmente, Nos Tempos do Imperador está sendo romanceada, mas o mais importante é o retrato muito fiel a Dom Pedro II que faz, em especial aos valores dele.
Que valores seriam esses? A defesa da abolição da escravatura, coisa que todos os historiadores sabem, e a forma com que pregava pela igualdade de todos. Ele tinha amigos negros e era muito próximo de André Rebouças, com quem tomava chá o tempo todo. Dom Pedro II obedecia ao cargo de chefe de nação que ele ocupava, tinha o respeito que a autoridade máxima do Brasil tinha que ter em relação ao próprio país e estava à altura do cargo – coisa que nós não vemos hoje em dia. E, além de tudo, eu já escutei do professor Darcy Ribeiro, lá na minha casa em Paraty há 35 anos, que Dom Pedro II era o maior progressista de seu tempo. Meus primos, signatários da carta, confundem muito as ideias modernas e humanistas do imperador com ideias de esquerda.
É curioso o senhor falar disso. Na nota de repúdio, seus familiares disseram que a Globo estava promovendo uma “Revolução Cultural” de “culto à amoralidade”. Se for assim, tem que acabar com Hollywood, com o Cinema Novo, com o Nouvelle Vague do cinema francês. Com essa visão, não sobra nada. Não podemos olhar com os olhos de hoje uma realidade de 200 anos atrás, mas temos a obrigação de acompanhar as mudanças sócio-culturais e manter intactos os valores éticos e humanos. Agora, não dá pra dizer que a Globo está promovendo uma “revolução”: ela, por exemplo, mostra casais homossexuais, uma realidade no mundo inteiro, desde que o mundo é mundo. Tem quem seja radicalmente contrário a isso, mas é um pensamento atrasado. Está na lei que casamento homossexual é permitido, isso em toda democracia do mundo que acompanhou os avanços sociais. A sociedade é muito hipócrita ao fechar os olhos para a realidade.
Mas seus primos defendem esse pensamento que o senhor critica. Como é a relação de vocês? É boa, eu respeito a opinião deles e eles respeitam a minha. Isso é educação e democracia. Convivemos em harmonia, inclusive estávamos todos em um casamento recentemente, do qual meu filho foi padrinho do noivo, um sobrinho meu. Eles têm uma posição, eu tenho outra, e nenhuma das nossas posições é representativa da família. Somos em 40 pessoas.
O senhor comentou que Dom Pedro II era um chefe de Estado exemplar. O que pensa do presidente Jair Bolsonaro? Acha que ele compartilha com Dom Pedro II algumas características? Bolsonaro é totalmente despreparado para o cargo, não tem o respeito e a dignidade que o cargo exige, muito menos liderança. E, além de tudo, é desequilibrado. Dom Pedro II tinha as características de um chefe de Estado, inclusive representava o Poder Moderador e, por isso, não podia ter partido político. Ele tinha o bom senso necessário para mediar 49 anos de reinado, e, nesse tempo, conseguiu um equilíbrio entre governos conservadores e liberais. Para isso, tem que ter uma habilidade política enorme, um senso de responsabilidade enorme, e muita ética.
Costumam te chamar de Dom Joãozinho. O que pensa do apelido? Eu acho simpático, sou uma pessoa muito simples. Talvez tenha herdado isso da minha família. Meu pai era simples, meu avô era simples, a princesa Isabel era simples. Sou bisneto dela, é relativamente perto. Agora, meu pai fez questão de que eu não me isolasse num gueto de elite. Então fui pegar surfe no Arpoador quando eu tinha 14 anos, até hoje pego onda, viajo e tudo. Tenho 65 anos e toco tamborim há 15, em blocos de Carnaval de rua. Sou Portela, já saí oito vezes com eles. Meu trabalho como fotógrafo foi uma maneira de conhecer o meu país como ele é, não para arranjar voto no interior. É para conhecer a nossa cultura, a nossa identidade, natureza. Já fiz vários livros sobre o Brasil e conheço o Brasil como poucos.