Falsificador engenhoso, Tom Ripley ganha a vida aplicando golpes em Nova York, até o dia em que sua sorte muda repentinamente: um milionário o contrata para trazer de volta seu único filho, que desfruta de uma rotina luxuosa e ociosa na Itália. Com tudo pago, o malandro viaja até Atrani, ao sul de Nápoles, e descobre que o estilo de vida de Dickie Greenleaf é tão invejável que ele não descansa até conseguir se apoderar de tamanha riqueza — monetária e espiritual. Baseada no suspense O Talentoso Ripley, da americana Patricia Highsmith (1921-1995), Ripley — série que acaba de chegar à Netflix — traz uma nova versão do golpista carismático. A história já fora adaptada duas vezes no cinema, primeiramente no filme francês O Sol por Testemunha (1960), com Alain Delon, e depois em O Talentoso Ripley (1999), com Matt Damon, que fez barulho à época de seu lançamento, com cinco indicações ao Oscar.
O talentoso Ripley – Patricia Highsmith
Inventando Anna – Rachel DeLoache Williams
Numa era em que golpistas ganharam inusitado (mas compreensível) apelo pop, impulsionando sucessos como a série Inventando Anna e o longa Saltburn, nunca é demais voltar ao tipo criado por Highsmith. Ripley é o padrão-ouro desses personagens, não só por ser um trambiqueiro notável — ele é, sobretudo, uma figura elusiva que ambiciona roubar algo mais que os bens materiais de suas vítimas: nada menos do que sua própria essência. Na série, Andrew Scott confere a Ripley uma face imperscrutável e perfeita. Johnny Flynn e Dakota Fanning imprimem versões mais desconfiadas do playboy Dickie e de sua namorada, Marge, facilitando a simpatia por Tom, que se aproxima aos poucos para conquistar a confiança do ricaço até o clímax macabro em alto-mar. “Marge não confia em Tom, mas não sabe explicar o motivo. Essa história explora interações humanas profundas”, disse Dakota Fanning a VEJA.
Ripley subterrâneo – Patricia Highsmith
Dirigida e roteirizada por Steven Zaillian, que também conduziu a série The Night Of (HBO) e escreveu O Irlandês, de Martin Scorsese, Ripley tem outro charme além de seu protagonista: a estética noir calcada num preto e branco hiper-realista. Nesse cenário, a série celebra sem medo os itens analógicos que moviam as tramas de suspense — e o mundo — no passado. Ripley falsifica cartas, cheques e documentos, além de usar máquina de escrever. Com a tecnologia disponível nos dias atuais, seria impossível aplicar seus golpes. Mas o retrato do parasita que despreza a futilidade da elite e abomina a própria miséria ainda dialoga com pessoas da vida real. “Todos nós já conhecemos alguém como o Tom, que sabe esconder quem realmente é”, diz Scott. A armadilha está aí, cai quem quer.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887