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‘Nos Tempos do Imperador’ manda indiretas para o Brasil de hoje

Primeira novela inédita da Globo desde o início da pandemia, folhetim ambientado no século XIX fala de racismo e autoritarismo

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 ago 2021, 10h20

Em uma das cenas mais marcantes da estreia da nova novela da Globo, Nos Tempos do Imperador, a primeira inédita desde o início da pandemia, Jorge, interpretado por Michel Gomes, enfrenta cara a cara o coronel Ambrósio (Roberto Bomfim). Jorge é um escravo rebelde, em busca da liberdade. Ele também é filho bastardo do coronel, que usa esse argumento para tentar acalmar o rapaz que o ameaça com uma arma. Jorge rechaça: ele não chamará de pai o homem que violentou sua mãe. A briga acaba com Ambrósio morto e Jorge em fuga, perseguido pelo meio-irmão, o vilão Tonico (Alexandre Nero). Ferido, o escravo, que vai assumir a alcunha Samuel, é ajudado por Pilar (Gabriela Medvedovski) — uma jovem branca, mas também fugitiva da opressão do pai, que que forçá-la a se casar.

O embate entre Jorge e Ambrósio é um entre vários do folhetim que, apesar de abusar da liberdade poética para narrar a história do país em 1856, aplica ao Brasil do século XIX alfinetadas para o Brasil de hoje.

Pilar (Gabriela Medvedovski), Jorge (Michel Gomes ), Luisa Condessa de Barral (Mariana Ximenes), Dom Pedro II (Selton Mello) e Teresa Cristina (Letícia Sabatella) em 'Nos Tempos do Imperador' -
Pilar (Gabriela Medvedovski), Jorge (Michel Gomes ), Luisa Condessa de Barral (Mariana Ximenes), Dom Pedro II (Selton Mello) e Teresa Cristina (Letícia Sabatella) em ‘Nos Tempos do Imperador’ – (João Miguel Júnior/TV Globo)

A fala de Jorge com o “pai” desmonta uma velha e perigosa falácia de que a escravidão por aqui teria sido mais branda que em outros países. Prova disso seria a visível miscigenação do povo, herança de um passado onde homens brancos e cativas negras tinham relacionamentos. O modo leviano e por vezes romantizado de tratar os séculos de sofrimento dos escravos, especialmente das mulheres, no país pautou por anos a ficção brasileira. A exemplo das tramas em torno de Chica da Silva, personagem histórica chamada de “Cinderela negra” por ter tido uma relação com um português branco e rico – amenizando as muitas vezes em que ela foi vendida como escrava sexual até ser adquirida pelo próprio “marido”.

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De forma mais anacrônica, Dom Pedro II (Selton Mello) também tem um embate tenso logo no primeiro capítulo: num encontro, que não aconteceu na vida real, com Solano López (Roberto Birindelli), comandante das tropas do Paraguai, o então Imperador brada: “O Brasil jamais se curvará a um ditador”. Não é difícil imaginar que a indireta é, na verdade, uma direta ao país que vê um presidente desfilando canhões nas ruas enquanto planta dúvidas sobre as eleições que estão por vir. O jeito é esperar pelos próximos capítulos, tanto da ficção, quanto da realidade.

 

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