Ana Hikari, atriz que faz a vilã Mila de Família É Tudo, atual novela das 7 da Globo, foi a primeira – e até agora única – protagonista de ascendência asiática de uma novela da Globo em Malhação Viva a Diferença (2018), temporada em que dividiu o protagonismo com outras quatro atrizes. Filha de uma odonto pediatra descendente de japoneses de um professor de cinema negro, Ana já enfrentou situações de preconceito na vida real, e ainda torce para que haja mais espaço para atrizes asiáticas na TV e no audiovisual. Além da novela de Daniel Ortiz, Ana também é uma das convidadas do programa Mulheres Asiáticas, do Canal E!, que tenta justamente resolver a lacuna da falta de representatividade amarela no audiovisual, ao lado da chef Telma Shiraishi; e ainda comanda o podcast Clube do Erro, ao lado das amigas também atrizes Agnes Brichta e Nina Tomsic.
Em entrevista a VEJA, Ana Hikari fala de carreira, da torcida para que mais amarelos ocupem espaço no audiovisual e de como se tornou uma voz ativa contra o racismo.
Confira:
Quando decidiu que queria ser atriz? Eu acho que isso foi um processo desde que eu era pequena, porque desde pequenininha eu cresci em um ambiente que incentivava a arte. Meu pai e minha mãe sempre me levaram a festivais de teatro e de cinema onde eu ia no canguru que leva bebês. Na escola, comecei a fazer aulas de dança e de canto quando tinha 10 anos e com essa idade subi em um palco pela primeira vez, eu me apresentei em uma peça de João e Maria no Teatro Municipal e lembro de ver o público levantando para aplaudir e foi ali que eu entendi que o palco era um lugar onde eu queria muito estar, então, na hora de fazer vestibular, não tinha outra escolha, prestei para artes cênicas na USP e passei.
Você foi a primeira protagonista de ascendência asiática da Globo com a Tina de Malhação Viva a Diferença, mas dividindo o espaço com outras quatro atrizes. Por que acha que a Globo ainda não teve o ímpeto de lançar uma protagonista asiática solo, em qualquer faixa de horário que fosse? Eu acho que ainda existe um medo no audiovisual que impede o compreendimento de que pessoas racializadas em geral também podem contar narrativas de alta identificação do público. E eu digo isso não como atriz asiática, mas olhando o panorama de um país que: é majoritariamente negro e só agora está trazendo protagonistas negros, é originalmente indígena e não tivemos uma protagonista indígena até hoje, e também tem a maior concentração de imigrantes japoneses no mundo. Falta compreensão de que esses corpos podem contar qualquer narrativa, não só trazer identificação de um público específico.
Mesmo sendo contratada da Globo, você já criticou publicamente a emissora em situações em que a mesma promoveu yellowface (quando um ator branco se passa por amarelo com trajes e maquiagens pejorativas). Nunca sentiu receio de sofrer represálias por isso? Eu sei qual é o lado correto dessa batalha. E o lado correto é de questionar esse tipo de pensamento que já é ultrapassado. Eu sei que eu estou do lado correto quando eu questiono uma questão racial ali dentro do audiovisual, porque já deu, já passou do tempo da gente mostrar isso para o grande público sabe? Não dá para achar que o público é ignorante e vai aceitar esse tipo de coisa, porque não vai. As pessoas vão questionar a emissora independentemente de mim. E eu sei internamente que a emissora está com esse esforço de progredir nesse sentido, e digo isso porque eu já fui convocada para reuniões internas para debater esse tipo de questão e fui acolhida por ter meus posicionamentos. Então eu sei que a empresa está se colocando em uma posição mais progressista em relação a esses debates.
Como tem sido essa experiência de fazer Família É Tudo, apesar da baixa repercussão da novela? Olha, eu me divirto muito fazendo a Mila, para mim ela é uma vilã que é super complexa e tem sido interessante porque um dos meus maiores medos como atriz era ser vista apenas como atriz asiática também, sempre com essa característica ao lado. Porque é isso que acaba acontecendo com muitos atores racializados, somos vistos não só como atores que podem fazer qualquer personagem. Foi muito importante para mim ser escalada como Mila, porque poderiam ter escolhido qualquer atriz para interpretá-la, mas optaram por mim.
Sua participação no Mulheres Asiáticas foi ao lado da chef Telma Shiraishi, em um episódio que fala de arte e culinária. Foi diferente refletir sobre o que é ser uma mulher nipo-brasileira naquele contexto? Esse programa foi muito especial para mim porque eu nunca tinha entrado num set de gravação onde eu me senti tão confortável, porque eu sabia as pessoas da equipe seriam amarelas. Então, eu soube que ninguém ia fazer nenhum tipo de comentário ou piada que pudesse me ofender. Porque eu costumo ser a única amarela nos espaços, e isso é muito solitário e uma situação de muita vulnerabilidade, porque eu sei que a qualquer momento alguém pode fazer uma “piadinha” que não é uma piada, é o que a gente chama de microagressão, são violências cotidianas baseadas no racismo. Dito isso, o Mulheres Asiáticas foi o primeiro set onde eu entrei me sentindo segura e feliz.
O que espera do futuro da representatividade amarela no audiovisual? Eu espero que estejamos fazendo barulho por algum motivo e que isso traga resultados lá na frente. Mas importante ressaltar que eu sei que sou uma pessoa amarela privilegiada, sei que tenho mais privilégios do que uma pessoa negra ou indígena, mas gosto sempre de me posicionar na luta antirracista ao lado dessas pessoas também.
Acompanhe notícias e dicas culturais nos blogs a seguir:
- Tela Plana para novidades da TV e do streaming
- O Som e a Fúria sobre artistas e lançamentos musicais
- Em Cartaz traz dicas de filmes no cinema e no streaming
- Livros para notícias sobre literatura e mercado editorial