Gilberto Gil já está acostumado aos holofotes midiáticos, apontados a ele em múltiplas fases de sua vida e carreira: como artista, opositor à ditadura militar, ministro da Cultura, pai de família e mais. Em 2022, porém, a atenção direcionada a ele e sua família chegou a um formato nunca explorado: o reality show. Em Casa com os Gil acompanhou os preparativos para a turnê Nós A Gente, que percorreu a Europa em 2022. Feita a viagem, o diretor Andrucha Waddington e sua equipe juntaram registros das apresentações, bastidores e cotidiano dos mais de 20 membros da família pelo outro lado do Atlântico, e assim montaram a segunda temporada, Viajando com os Gil, que estreia na Amazon Prime Video em 30 de junho.
Quem espera que o reality siga a fórmula sensacionalista do gênero televisivo — consagrado por famílias como as Kardashians e o clã Hilton —, no entanto, pode se decepcionar. A variedade Gil é muito mais flexível e menos frenética, misturando o estilo com toques de especial de música ao vivo e uma sensibilidade mais vista em documentários, dedicada a homenagear os 80 anos de Gilberto e a capturar as particularidades do núcleo, cujos membros vão da infância à terceira idade. Para o músico, em entrevista a VEJA, o programa “acaba sendo uma maneira de domesticar um pouco essa coisa de pessoa pública”, mas Waddington reforça que não há tentativa alguma de criar a “narrativa de família perfeita.”
Pelo contrário, o conflito é bem-vindo pelos familiares de Gil. No trailer da temporada, o patriarca levanta a voz com Bento, seu neto adolescente, cena sobreposta pela fala “puxão de orelha, de vez em quando, é fundamental”. As cenas que “abrem a porteira da treta”, como descreve Flora Gil, porém, são mais acessórias que substanciais ao programa, que se esconde de entretenimento despretensioso para contar histórias tão universais, atemporais e transgressivas quanto a música de Gilberto, Preta e Gilsons. No segundo episódio, por exemplo, quando visitam Londres, uma cena de turismo com participação especial de Fernanda Paes Leme é interrompida por filmagens de arquivo do exílio de Gil na cidade, no começo dos anos 1970.
Se abrir, seja ao público ou entre si, afinal, não assusta os tripulantes da turnê, leveza que Gil demonstrou recentemente em entrevista às Páginas Amarelas, na qual abordou suas experiências bissexuais e afirmou ter experimentado “de tudo”. Questionado quanto à resposta nas redes sociais, ele ri e qualifica o choque de alguns como “curioso”, dada a transparência que carrega: “Na vida adulta, cada um, digamos assim, se atrai mais fortemente a um polo da bissexualidade e se atém a ele. No meu caso não foi diferente, tive a sexualidade infantil, a adolescente, a adulta e, agora, a sexualidade de um homem velho”.
Em Viajando com os Gil, comentários irreverentes como esse são equilibrados ao lado de canções completas e momentos privados por um estilo de edição mais lento que outros exemplos do gênero. Para Gil, o ritmo remonta à “metástase dos egos”, conceito do filósofo centenário Edgar Morin que diz respeito à individualidade moderna: “Hoje em dia, as redes sociais nos expõem a tudo o tempo todo, e esse trabalho do Andrucha possibilita direcionar a imagem pública a partir de nossas próprias visões e nossos próprios desejos”. Para a Head de Conteúdo Original Brasileiro para o Amazon Studios, Malu Miranda, o projeto nasceu de “um desejo dos brasileiros de fazer parte da família Gil”, e o efeito atingido pela direção é “a ótica de outro membro da família”.
Para quem não quiser esperar o programa, é possível conferir a dinastia de pertinho nos palcos brasileiros, que agora recebem a turnê. No próximo domingo, 25 de junho, eles se apresentam em São Paulo no Festival Turá, com elenco completo — Preta Gil retornou aos palcos na última sexta, 16, meses após seu diagnóstico de câncer no intestino. No show, o grupo apresenta clássicos de Gil, mas também faixas de Preta e Gilsons, como Vá Se Benzer e Várias Queixas. Os seis episódios de Viajando com os Gil serão disponibilizados no Amazon Prime Video em 30 de junho.