De humor bocó a clichês: os erros que afundaram ‘Nos Tempos do Imperador’
Romances que não conquistaram o público e escorregões ao retratar o racismo levaram a novela a índices vergonhosos de audiência
A primeira fase de Nos Tempos do Imperador chega ao fim nessa semana, quando um salto temporal fará a novela avançar alguns anos, até o momento em que Pilar (Gabriela Medvedovski) volta dos Estados Unidos formada como a primeira médica do Brasil. Desde que o folhetim estreou, no dia 9 de agosto, pouco mais de um mês se passou, mas não faltam críticas à trama, que pesou a mão no romance água com a açúcar e no humor canastrão para tentar se encaixar no modelo descontraído típico do horário das seis. O resultado, porém, tem sido dos piores. Os 15 primeiros capítulos bateram a pior média de audiência desde Meu Pedacinho de Chão, em 2014. O folhetim de época ainda chegou a ficar atrás da série Sob Pressão, que é exibida às 22h30, faixa costumeiramente de baixa audiência. Primeira novela inédita da Globo desde o início da pandemia, Nos Tempos do Imperador tem toda uma segunda fase para tentar se recuperar. A seguir, alguns erros que ajudaram a afundar a trama.
Comédia, só que não
Uma boa dose de humor é ingrediente obrigatório nos folhetins das seis, mas o núcleo cômico de Nos Tempos do Imperador provoca mais vergonha alheia do que risadas. Herdada da predecessora Novo Mundo — trama de 2017 sobre Dom Pedro I — a dupla Germana (Vivianne Pasmanter) e Licurgo (Guilherme Piva), agora idosos e caducos, formam um casal pobre e picareta, que sobrevive de pequenos golpes. Reforçado — se é que assim se pode dizer — por Quinzinho (Augusto Madeira), que era uma criança em Novo Mundo, e por sua esposa Clemencia (Dani Barros), o núcleo cômico aposta em um humor que se equilibra entre o bocó e o escatológico, e simplesmente não funciona. Para piorar a situação, o casal de idosos trapaceiros deve morrer ainda essa semana — mas continuar como fantasmas na segunda fase da produção.
Romance que não colou
Nada contra a liberdade poética, responsável por tramas reais mais atrativas ao público, mas é preciso manter o mínimo de verossimilhança, o que não acontece entre o casal inter-racial Pilar (Gabriela Medvedovski) e Samuel (Michel Gomes). A descoberta do romance pelo pai da moça, nessa semana, fez com que a relação enfrente — como era de se esperar — o racismo do período escravagista, onde a relação da filha de um senhor de engenho com um ex-escravo era um escândalo inaceitável. Antes disso, porém, o casal mais parecia viver em uma realidade paralela: o primeiro beijo aconteceu em público, no meio de uma rua do Rio de Janeiro, com alguns poucos olhares desconfiados ao redor. Pouco depois, Pilar se zanga com Samuel por questioná-la se a negação do pedido de namoro é por causa de sua negritude — como se isso não fosse a regra na época.
Racismo reverso
A maior controvérsia da produção até então é uma cena condenável, reconhecida pela própria autora como um erro grosseiro, em que Samuel iguala as inigualável relação entre negros e brancos durante o período imperial. Na sequência, Dom Olu (Rogério Brito), rei da Pequena África, nega estadia a Pilar dizendo que ela é uma moça branca e teria mais facilidade de encontrar um lugar para ficar, já que a Pequena África é um refúgio para negros alforriados. Irritado, Samuel dispara à amada: “Só por que você é branca não pode morar na Pequena África? Como queremos ter os mesmos direitos se fazemos com os brancos as mesmas coisas que eles fazem com a gente?”. A falsa simetria incomodou as redes sociais, já que negar estadia a alguém é bem, mas bem diferente de tratar seres humanos como propriedade e escravizá-los.
Mais do mesmo
Não é de hoje que a Globo é criticada por apostar em produções sobre o período imperial que dão todo o protagonismo aos brancos, e faz deles salvadores enquanto os negros são relegados a papeis secundários de subserviência. Com a promessa de ser diferente, Nos Tempos do Imperador ensaiou romper o cliché ao apresentar a Pequena África e figuras como o empoderado Samuel, mas acabou caindo na mesma receita de sempre, com a realeza no centro da história e pouco ou nenhum foco em personagens negros para além de escravos e ex-escravos. Assim, enquanto Dom Pedro II, a Condessa, e toda a corte branca tem a história esmiuçada mais uma vez, figuras negras como os irmãos Rebouças, dois dos principais engenheiros do século XIX, ou o abolicionista José do Patrocínio são jogados para escanteio.
Dom Pedro II e suas duas mulheres
É consenso entre os historiadores que Dom Pedro II e a Condessa de Barral realmente tiveram um romance duradouro, e ela é tida como o grande amor da vida do imperador. Ao escolher dar tempo demais para o romance do casal e à disputa com a imperatriz Teresa Cristina, a novela acabou reduzindo as duas personagens a meras peças do tabuleiro de Dom Pedro II. O público, inclusive, se incomodou com o fato de Teresa ser pintada como malvada e ardilosa por tentar separar o marido da amante, e passou a torcer por ela. Luísa, por sua vez, começou a novela com uma pose revolucionária e abolicionista, como era de fato, mas acabou virando apenas mais uma mulher apaixonada pelo imperador em uma rixa com a esposa escanteada — trama tão ultrapassada que faz 2021 parecer o século XIX.