Em março de 2017, oito policiais chegaram ao Departamento de Polícia de Baltimore para esclarecer os detalhes de uma operação que acabou com um carro danificado. Chefiado pelo sargento Wayne Jenkins, o grupo foi surpreendido pelo FBI e saiu algemado do local. Integrantes do serviço de controle de armas, os agentes estavam sendo investigados havia meses. A equipe, antes tida como excepcional pelo alto número de apreensões de armas e drogas, era na verdade uma milícia que aterrorizava moradores, abusava da autoridade, roubava dinheiro e até revendia armas e drogas apreendidas em serviço. Narrado no livro We Own This City, do repórter Justin Fenton, o caso real ganhou as telas na recém-lançada minissérie homônima da HBO, exibida semanalmente no canal e disponível no HBO Max.
Voraz no trato da realidade, A Cidade É Nossa tem a grife de nomes conhecidos das séries criminais: foi criada por George Pelecanos e David Simon, os cabeças por trás da soberba The Wire, uma das produções que estabeleceram o padrão-ouro da televisão americana, também focada no submundo da polícia de Baltimore. No ar entre 2002 e 2008, The Wire — que completa duas décadas em junho — esmiuçou as intrincadas relações de poder entre agentes, políticos, criminosos e a sociedade local. Sua sucessora segue pelo mesmo caminho: com o convincente Jon Bernthal na pele de Jenkins, a trama se divide entre a investigação que deflagrou o caso, aqui comandada pela talentosa Wunmi Mosaku, que dá vida à advogada Nicole Steele, e flashbacks que revelam as ações nada morais de Jenkins e seus subordinados. Na abertura do primeiro episódio, o líder aparece discursando contra a brutalidade, mas as palavras bonitas logo dão lugar a um “topa-tudo” por poder que se espalha como um vírus pela equipe. Impulsionados pela impunidade, e incentivados por uma cultura sádica, os policiais são flagrados plantando drogas e armamentos em carros e redigindo relatórios falsos para mascarar abusos e mortes. “Nós podemos fazer o que quisermos. Somos donos desta cidade”, diz Jenkins aos colegas.
O silêncio dos inocentes
O Clube do Crime das Quintas-Feiras
Contundente ao colocar o dedo na ferida, A Cidade É Nossa oferece um estudo da corrupção no varejo do dia a dia do sistema policial, em que autoridades fecham os olhos para criminosos que agem em prol de seus interesses. Na era pós-Black Lives Matter, a minissérie atualiza as críticas da antecessora ao movimento — como na cena em que moradores ecoam a frase “I can’t breathe”, dita por George Floyd antes de ser assassinado por um policial branco. É dramaturgia de primeira, e realismo necessário na veia.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788
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