A pequena Brígida, cidade de Santa Catarina, encanta ao mesmo tempo que assusta. Suas paisagens idílicas de natureza abundante são cenário que abriga desde adolescentes que usam a floresta para fumar e beber escondido de adultos até uma bruxa amplamente conhecida pela população local. O município fictício, mas de inspiração real, é palco da série Desalma, novidade do Globoplay. Na trama de suspense com pitadas de terror, dramas familiares e tradições folclóricas de imigrantes eslavos no Sul do país se mesclam em um roteiro sutil, em que a sensação de doce calmaria oculta a alta tensão. Uma boa surpresa para um gênero tão pouco explorado pela televisão brasileira.
A tal bruxa de longos cabelos grisalhos se chama Haia Lachovicz (Cássia Kis), nome incomum, mas que se mistura a outros de difícil pronúncia entre os muitos descendentes de ucranianos da região. Longe do estereótipo da bruxa má, Haia é uma mulher solitária, que cobra por trabalhos como ler cartas e benzer crianças, entre outros labores místicos. Sua aparência carrancuda se agravou com a perda do marido e da única filha, Halyna (Anna Melo). A bela jovem foi assassinada em 1988, durante as festividades de Ivana Kupala, uma celebração pagã do solstício de verão europeu, com direito a danças em volta de uma fogueira e guirlanda de flores na cabeça. O crime envolveu famílias poderosas da cidade, o que causou um trauma coletivo. Exatos trinta anos depois, aparentemente recuperado, o município decide retomar a tradição. Desperta-se então algo sobrenatural, que assombra as famílias envolvidas no caso de Halyna – especialmente as crianças, alvo favorito de toda boa trama de terror.
Belissimamente fotografada e com uma trilha sonora hipnotizante – supervisionada pelo sonoplasta alemão Alexander Wurz, da série Dark e outras tramas sobrenaturais –, Desalma é uma curiosa e acertada investida do Globoplay para ampliar seu catálogo nacional, já repleto de gêneros dramáticos e cômicos. A plataforma ganha pontos extras ao mergulhar em um Brasil que mal parece Brasil, explorando o subgênero chamado de “horror folclórico”, em que elementos antropológicos e culturais de cenários bucólicos ditam o andar da carruagem da trama e de seus personagens. A história é assinada pela escritora Ana Paula Maia, de romances como Carvão Animal e Enterre seus Mortos – livros que carregam no suspense para investigar o ser humano a partir de seus medos.
O roteiro é viciante, com poucas escorregadas em repetições que apelam para o didatismo, mas que em nada mancham a experiência do espectador e as reviravoltas que surpreendem sem cair no rocambolesco típico do gênero. O elenco afiado é a cereja do bolo. Vários adolescentes, muitos deles jovens estreantes, dão vida e cor à trama sombria, tanto nos flashbacks de 1988 quando nos dias atuais. A força, porém, está com a veterana Cássia Kis, além de Claudia Abreu e Maria Ribeiro, que hipnotizam como duas jovens mães que lidam com perdas familiares ao mesmo tempo em que precisam salvar seus filhos de tormentos sobrenaturais. Uma tarefa árdua, e que dá gosto de acompanhar ao longo dos dez episódios.