Monica Lewinsky acabara de se formar na faculdade quando recebeu uma proposta de estágio na Casa Branca. Promissora, a jovem de 22 anos se mudou da Califórnia para Washington em busca do que seria uma chance de ouro na carreira. Tudo foi por água abaixo, porém, ao cair nos encantos do homem mais poderoso do mundo: Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, 27 anos mais velho que a subordinada e casado com uma fera, Hillary Clinton. Entre 1995 e 1997, o presidente e a estagiária mantiveram um caso secreto que desencadeou um escândalo e levou ao processo de impeachment do democrata, absolvido em 1999. A trama real com intriga política e um toque de pornochanchada (quem não se lembra das piadas sobre o charuto de Clinton?) é dramatizada em American Crime Story: Impeachment, terceira fase da prestigiada série de Ryan Murphy, que chega ao Brasil na quarta-feira 22, no Star+.
Inspirada no livro A Vast Conspiracy (Uma Grande Conspiração, ainda sem tradução no Brasil), de Jeffrey Toobin, a produção inaugura uma nova fase da série: aqui, Murphy abandona os assassinatos que pautaram as tramas passadas (centradas no caso O.J. Simpson e no serial killer que matou o estilista Gianni Versace) para se debruçar sobre a anatomia de um crime mais abstrato, permeado por interesses políticos e hierarquias de poder. Narrada a partir do ponto de vista das mulheres que protagonizaram o escândalo, a minissérie mostra que, quando o barraco envolve um peixe grande como Clinton (Clive Owen, com feições muito diferentes, mas uma mímica perfeita dos trejeitos do político), o que acaba assassinada é a reputação feminina — que o diga Monica Lewinsky (Beanie Feldstein).
Envolvida na produção da minissérie, a ex-estagiária, hoje aos 48 anos, foi exposta ao escrutínio público quando sua então confidente Linda Tripp (na tela, Sarah Paulson) gravou secretamente conversas em que Monica narra o affair com o presidente. Linda entregou-as ao advogado-celebridade Kenneth Starr, que conduzia o processo de Paula Jones, uma funcionária do governo que acusava Clinton de assédio. Ciente do caso de Clinton e Monica, a acusação intimou os dois a esclarecer a situação e, quando ambos negaram qualquer envolvimento, as fitas embasaram as denúncias de perjúrio e obstrução à Justiça.
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Condenado na Câmara americana, Clinton se afastou temporariamente das funções, mas retomou o mandato após ser absolvido no Senado — e saiu do imbróglio com a imagem quase ilesa. Cruel no trato com a realidade, a série — como já é marca de Murphy — se aprofunda na análise dos costumes e na exposição da hipocrisia para mostrar que as mulheres não tiveram a mesma sorte. Monica, ao contrário do presidente, virou piada na imprensa, foi humilhada no tribunal por suas escapadas no Salão Oval e satirizada como uma perseguidora apaixonada em programas humorísticos. Diante da opinião pública impregnada de machismo da época, ela alternava o papel de vilã com Linda Tripp, que jogou a então amiga na cova dos leões ao revelar ao mundo seu segredo. Já Paula Jones, depois de recorrer do processo, foi acusada de mentir por ceder a um acordo com Clinton motivada por crises financeiras e dificuldades de conseguir emprego.
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A coisa é tão invertida que sobrou até para a traída Hillary Clinton. Encarnada por Edie Falco, a primeira-dama ficou ao lado do marido durante todo o processo. Numa passagem simbólica da série, a esposa é intimada a “limpar a barra” do político em uma entrevista, e acaba pintada pelo público como fria e calculista, enquanto o marido ganha a compaixão dos espectadores. No escândalo da Casa Branca, as vítimas foram só elas.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795
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