Em julho, o CEO da Disney Bob Iger fez declarações bastante honestas acerca da produção desenfreada de conteúdo nos estúdios que integram o império do Mickey, sobretudo Marvel e Star Wars. Sobre a primeira, ressaltou que os esforços para turbinar o catálogo do streaming com obras televisivas, até então deixadas em segundo plano, acabaram tendo efeito rebote. “Eles não apenas aumentaram a produção de filmes, mas acabaram fazendo várias séries e, francamente, isso diluiu o foco e a atenção”, disse o executivo. Iger estava certo — e Invasão Secreta é prova disso: um sintoma flagrante da fatiga generalizada que pouco a pouco vai abatendo o universo cinematográfico dos super-heróis. A minissérie de seis episódios chegou ao fim recentemente e se tornou a criação televisiva da Marvel no Disney+ com pior desempenho: apenas 55% de aprovação dos críticos no popular portal Rotten Tomatoes (com míseros 7% no capítulo final), e média 6,1 no IMDb, reflexo do desagrado dos fãs. Mais que isso, seu fracasso é notável por uma simples lógica: ninguém está falando sobre Invasão Secreta.
Seu primeiro episódio marca a segunda pior estreia de uma série da marca, atrás apenas de Ms. Marvel. A indiferença com que foi recebida pelo público geral tem razão de ser, mas é triste, uma vez que a trama era promissora — e dava sinais de seu potencial no comecinho. É a primeira vez que Samuel L. Jackson, na pele do lendário agente Nick Fury, ganha protagonismo no MCU, o universo compartilhado da Marvel. A história mostra as últimas consequências de uma relação longeva de Fury com os skrulls, alienígenas metamorfos introduzidos em Capitã Marvel (2019). Cansados de esperar pela promessa do agente de que os ajudaria a encontrar um novo lar, os skrulls declaram guerra aos humanos, roubando sua aparência e ocupando cargos de liderança na política mundial, com a missão de dividir os terráqueos.
Um enredo instigante de espionagem — que ecoa disputas geopolíticas reais da atualidade –, e ponto crucial para os eventos vindouros do MCU. Temperado, ainda, com um elenco de alta patente, formado por Olivia Colman (uma grata surpresa em sua estreia no mundo dos heróis), Emilia Clarke, Kingsley Ben-Adir e Ben Mendelsohn, além de Jackson. No entanto, Invasão Secreta desperdiçou o belo arsenal a seu dispor, não cumpriu com as expectativas — e, por fim, reforça o mau agouro sobre o futuro das produções do gênero.
Não é o primeiro sinal de que as coisas não vão bem para a Marvel, contudo. Como Iger vem ressaltando, a Disney gostaria que alguns de seus lançamentos mais recentes tivessem melhor desempenho. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, estreia de fevereiro nos cinemas, não chegou nem a meio bilhão de dólares em arrecadação de bilheterias ao redor do mundo — número francamente lamentável para o estúdio, um dos líderes mais expressivos da indústria do entretenimento há pelo menos uma década. Ainda que os mesmos resultados não possam ser apontados para outros filmes, que continuam recheando bolsos (como a franquia queridinha dos fãs, Guardiões da Galáxia, cujo último episódio chegou às telonas em maio), a fadiga dos super-heróis, não somente da Marvel, se desvela pouco a pouco. Se mostra real também para a concorrente DC Studios, onde The Flash, promessa cheia de ambições, somou apenas 268 milhões de dólares em bilheterias.
Para Iger, é hora de repensar a necessidade de estender franquias por três ou quatro filmes, e passar a olhar com mais cuidado para personagens pouco explorados, que podem ter sua chance de brilhar. Essa tem sido justamente a premissa do pacote do MCU para o streaming nos últimos anos: personagens secundários dos quadrinhos viraram foco de títulos como Gavião Arqueiro, Cavaleiro da Lua, Ms. Marvel e Mulher-Hulk; mas, enquanto divertiram os espectadores, nenhuma delas foi aclamada no meio televisivo. O frescor experimentado em Wandavision, em 2021, durou pouquíssimo tempo. Logo, é plausível afirmar que a saturação do universo de uniformes reluzentes e habilidades especiais não se deve somente ao calendário abarrotado, mas à queda de qualidade das criações — e não por falta de recursos. No caso de Invasão Secreta, por exemplo, os produtores trabalharam com um orçamento paupérrimo de 212 milhões de dólares, segundo a Forbes.
Na corrida entre os gigantes do streaming, a Disney acabou dando um passo maior que a perna. Diante de produções televisivas de altíssima qualidade, como as exemplares da HBO Succession e The Last of Us — a empresa lidera o número de indicações ao Emmy, com 127 nomeações –, nem tudo consegue alcançar o patamar de primoroso. Se contentar no território do MCU fica ainda mais complicado, posto o requisito de que o consumidor assista a inúmeros filmes e séries para juntar todas as peças do quebra-cabeça e entender o passo seguinte. Nenhuma trama é independente — há de estar sempre vigilante para não perder nenhum detalhe. Exaustivo, mesmo para os grandes admiradores.
As pessoas vão continuar indo às salas de cinema para desvendar a próxima aventura desse mundinho sem data de expiração. Os lucros da Marvel vão continuar estrondosos, até não serem mais. A baixa repercussão de Invasão Secreta há de servir como termômetro para que novos fiascos sejam evitados. Iger já deu o recado, e Kevin Feige, o presidente todo-poderoso da Marvel Studios, confirma: o ritmo de lançamento das séries do MCU vai mudar, e o foco será em qualidade, não volume. No fim do dia, menos é mais.