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Roberto Pompeu de Toledo

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Na hora errada

Num tempo de carência de gente racional, séria e decente nas mais altas instâncias de poder, era um consolo contar com Ruth Bader Ginsburg

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h14 - Publicado em 25 set 2020, 06h00
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  • A morte, no último dia 18, da juíza Ruth Bader Ginsburg, da Suprema Corte americana, aos 87 anos, multiplica as questões em causa na eleição americana de novembro. Ginsburg fez tudo certo na vida, mas morreu na hora errada. Num tempo de carência de gente racional, séria e decente nas mais altas instâncias de poder, nos EUA e alhures, era um consolo contar com ela. Seus votos a favor das minorias e sua luta em favor das mulheres acenderam um farol que brilhou de modo ainda mais intenso em meio à treva da era Trump. Mas seu desaparecimento, ainda sob o governo Trump, ofereceu ao atual presidente a oportunidade de escolher quem vai substituí-la — e, com isso, ampliar a vantagem conservadora na Corte, dos atuais 5×4, para acachapantes 6×3.

    A morte da grande juíza projeta efeitos, em primeiro lugar, na própria campanha eleitoral. Quatro anos atrás, quando o democrata Barack Obama ocupava a Presidência, aconteceu a mesma coisa — a morte de um juiz da Suprema Corte no último ano de mandato. No caso, ocorreu em fevereiro, quando Obama tinha ainda quase um ano pela frente. Ainda assim os republicanos, que em 2014 haviam conquistado a maioria no Senado, não aceitaram sequer apreciar o nome por ele indicado. O líder da bancada, Mitch McConnel, baixou na ocasião uma lei não escrita: “No último ano de um mandato presidencial não se nomeia novo integrante para a Suprema Corte”. Dois anos depois outro senador republicano, Lindsey Graham, fez até promessa: “Se uma vacância ocorrer no último ano do presidente Trump, esperaremos até a eleição”.

    Ao anúncio da morte de Ginsburg, enquanto Trump se comprometia a agir rápido para preencher a vaga, leis não escritas eram revogadas e promessas eram jogadas ao espaço. Manter a palavra dada é para as madres Teresa de Calcutá da vida; política é jogo bruto. Ainda líder dos republicanos, o senador Mitch McConnel trabalhou desde logo para amarrar a bancada de 53 senadores (contra 45 democratas) e na última quarta-feira, contabilizadas apenas duas defecções (não por acaso, de duas senadoras), parecia bem-sucedido. Resta o constrangimento de realizar na correria as necessárias audiências no Senado. Se a aprovação não ocorrer até 3 de novembro, o dia da eleição, e Trump perder, até haveria tempo de fazê-lo até a posse de Joe Biden, em 20 de janeiro, mas de jeito ainda mais feio. Resta ainda a repercussão que o episódio venha a ter nas campanhas dos senadores republicanos dependentes de reeleição. Resta, enfim, a perversa dicotomia, em caso de vitória de Biden, de a Corte caminhar para um lado e a política, conduzida pelo voto popular, para outro.

    “A morte da juíza Ruth Ginsburg multiplica as incertezas nos EUA”

    A polarização entre liberais e conservadores na Suprema Corte é tão intensa quanto na política e na sociedade nos EUA, mas com alcance que pode ser maior, no tempo. À diferença do Brasil, nos EUA não há limite de idade para o juiz permanecer em função. Ginsburg morreu no cargo aos 87 anos; John Paul Stevens só se aposentou aos 90, em 2010. O presidente do tribunal é nomeado pelo presidente da República e seu mandato é também vitalício. Cada formação do tribunal dura muito, e com ela tende a durar a orientação predominante entre seus membros. Em jogo estão, principalmente, os temas ditos sociais — imigração, direitos das minorias, igualdade entre os sexos, aborto.

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    Levantamento dos professores Lee Epstein e Eric Posner mostra a crescente influência religiosa nas decisões da Suprema Corte. Entre 1953 e 2005 causas apoiadas por religiosos foram vitoriosas em 50% das vezes; já a partir de 2005, quando se inicia o mandato do atual presidente do tribunal, John Roberts, nomeado pelo presidente George W. Bush, a aprovação pula para 90%. Antes de Roberts, juízes indicados por presidentes republicanos aprovaram as causas religiosas em 56% das vezes, contra 47% da parte dos indicados por democratas. O desacordo se dava “num nível moderado”, diz o estudo. Depois de Roberts, a aprovação pelos nomeados por democratas continuou nos 47%, enquanto da parte dos republicanos subiu a 90%. Quem menos aprovou as causas religiosas foi Ruth Ginsburg, ela mesma, a juíza que nos últimos anos se tornou ídolo pop e cujo rosto em camisetas virou febre entre meninas: 21% das vezes.

    Para terminar, lembremos que no Brasil Bolsonaro promete nomear para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”. Atentemos ao que nos espera. E, para não esquecer de outro assunto da semana, registremos que o discurso de Bolsonaro na ONU não só envergonha, mas ofende o Brasil.

    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

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