Fugindo do rigoroso inverso que inviabilizava o plantio e a colheita de alimentos durante a maior parte do ano, famílias deixaram a Rússia em busca de uma vida sem fome e em um clima mais ameno no Brasil. Os primeiros russos chegaram no país em 1909 para povoar o noroeste gaúcho, onde fundaram a cidade de Campina das Missões, a 418 km de Porto Alegre. Entre 1909 e 1912, entraram no estado 19.525 imigrantes russos. Atualmente, a cidade tem cerca de 6.000 moradores, destes pelo menos 1.500 descendem diretamente dos russos.
Em Campina das Missões, a língua, o folclore e a religião dos fundadores são preservadas. A primeira Igreja Ortodoxa Russa do Brasil foi erguida na cidade, em 1912. Mantendo a ligação com o país ancestral, os moradores da localidade prepararam uma celebração para acompanhar a transmissão da cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2018 na manhã desta quinta-feira, 14. Cerca de cem pessoas assistiram pela televisão ao evento esportivo e comemoraram a goleada de 5 a 0 da Rússia contra a Arábia Saudita.
Aos torcedores foram servidos pão preto e sopa borsch, receita típica que leva beterraba e repolho, ao ritmo de música tradicional, segundo Ilse Ana Perius Zabolotsky, de 60 anos, organizadora da festa. “Foi uma goleada comemorada com muita ênfase”, disse Ilse Ana à reportagem.
A festa também serviu para recepcionar Yuri Lezgintev, cônsul-geral da Rússia em São Paulo, que acabou assistindo à maior goleada em uma estreia de Copa do Mundo desde 1954, quando o Brasil ganhou do México, também por 5 a 0, na Suíça. A Rússia não vencia há sete partidas.
“Quando a Rússia joga, torço para a Rússia. Mas quando o Brasil entra em campo, torço pelo Brasil porque é a nossa pátria”, disse a VEJA Jacinto Zabolotsky, advogado de 61 anos, casado com Ilse Ana. O pai de Zabolotsky chegou a Campina das Missões em 1911 ainda menino, com onze anos. O advogado é, portanto, parte da primeira geração de descendentes dos imigrantes russos. Historiador, ele pesquisa e preserva a memória dos russos da região.
“Quando vieram ao Brasil, as famílias esperavam encontrar a ‘terra prometida’. Mas encontraram dificuldades, mata fechada. Trabalharam muito. Ganharam do governo os mantimentos iniciais e pagavam os lotes de quinze hectares com trabalho em obras, como estradas”, explica Zabolotsky.
“Diante de tantas vicissitudes, os imigrantes encontraram força na fé. Era um refúgio para aguentar o sofrimento, a dor, o cansaço”, diz sobre a fundação da primeira Igreja Ortodoxa Russa no Brasil. A religiosidade é um dos traços mantidos na colônia juntamente da língua, que costuma ser ensinada aos filhos pelos pais.
No próximo domingo, 17, quando o Brasil joga contra a Suíça, Zabolotsky garante: “Vou torcer como brasileiro”.