Enquanto o governo se debatia com as consequências da desastrosa fala de Lula, que comparou Israel a Hitler, a oposição aprovou projeto, relatado pelo senador Flávio Bolsonaro, para restringir as “saidinhas” da prisão. Foi um strike: 62 a 2.
A lógica da decisão é simples: se a violência está campeando, mantenha os bandidos na cadeia. Afinal, bandido trancafiado não faz mal a ninguém. Simples, não?
“Para todo problema complexo, existe uma solução simples. E errada”, ensinou o jornalista americano H. L. Mencken.
A medida não vai fazer grande diferença. A “saidinha” só vale para que não cometeu crime hediondo, tem bom comportamento, já cumpriu parte significativa da sentença e está em regime semiaberto (ou seja, passa o dia em liberdade e dorme na cadeia) e tem que ser aprovada caso a caso por um juiz. Beneficia presos de pouca periculosidade e a quase totalidade sempre volta depois da saidinha.
E tende a sair pela culatra: ao tornar a vida dos presos ainda pior, pode ter por consequência o aumento em revoltas, fugas etc. E, ao reduzir as poucas oportunidades de ressocialização, reduz ainda mais a chance de o preso sair da criminalidade.
O problema real não é que presos de bom comportamento saiam da cadeia por alguns dias. O problema é terem entrado. Metade da população carcerária está em condição irregular. Tem gente que não foi condenada. Ou foi condenada irregularmente. Ou que já cumpriu a pena e está lá, esquecido. A maioria foi condenada injustamente e/ou por crimes banais, como roubar um xampu ou vender um cigarro de maconha.
Os presídios são lugares superlotados, excessivamente quentes (ou frios), com péssimas condições de higiene e de alimentação, onde doenças, brigas e mortes são comuns — e onde raramente se trabalha. São infernais. É impossível entrar em um presídio sem se unir a uma facção criminosa. Uma vez na facção, nunca mais se sai. Os poucos que tentam, dado o estigma, dificilmente conseguem emprego. Na prática, quem entra na prisão nunca mais deixa de ser criminoso. Um criminoso mais perigoso.
Na raiz da superlotação dos presídios está o equívoco de se tratarem as drogas como caso de polícia (e não como questão de saúde pública). Em todos os lugares onde se praticou a política da Guerra às Drogas, a violência aumentou. O mundo inteiro está indo na direção oposta. Mas o Brasil está discutindo tornar a lei ainda mais dura.
Não é exatamente que o Brasil prenda de mais. Ou de menos. O Brasil prende errado. Há uma contradição entre o código penal (punitivista, e que vale para pretos e pobres) e o código de processo penal (garantista, e que vale para ricos). Enquanto trancafiamos pobres e pretos por causa de crimes irrelevantes, deixamos de prender criminosos altamente perigosos — bicheiros, traficantes e milicianos — que têm dinheiro para pagar bons advogados. Quem deveria ser punido não é, quem não deveria ser, é.
Não falta o que fazer — a começar pela reformulação das polícias, altamente corruptas e infiltradas pelas milícias — para combater a violência.
Mas cá estamos nós discutindo saidinha.
Flávio Bolsonaro agora quer reduzir a maioridade penal. Flávio parece incansável em sua ira santa contra os bandidos. Mas de vez em quando tira um descanso. Flávio pediu a absolvição do miliciano e assassino de aluguel Adriano Magalhães da Nóbrega, condecorou-o na cadeia e empregou sua mulher e sua mãe em seu gabinete de deputado.
Flávio também é amigo do peito de Fabrício Queiroz, acusado de assassinato junto com Adriano, que, segundo o MP, teria operado o esquema de “rachadinha” do filho 01.
Mas isso são detalhes.
(Por Ricardo Rangel em 22/02/2024)