Lula acertou em (quase) tudo o que disse em seu discurso na COP. Mas há problemas.
Os acertos:
- É preciso reduzir o volume de queima de combustível fóssil (e não apenas aumentar a produção de energia limpa, como tanta gente quer);
- É inexplicável — e inaceitável — que as nações não cumpram as metas a que se comprometem nos acordos políticos;
- Os países mais ricos precisam deixar de promessas vazias e comparecer com dinheiro de verdade para pagar pelo combate ao aquecimento feito nos países mais pobres;
- O Brasil tem condições de liderar pelo exemplo.
Os problemas:
- Os problemas não estão no que Lula disse, mas em como disse e em até que ponto ele fala pelo Brasil — e por si mesmo.
- Lula errou no tom, que deveria ser de perplexidade e de indignação, mas foi de raiva. Raiva atrai a hostilidade de quem está sendo criticado (no caso, as nações ricas) em vez de fazer com que caiam em si. Ou seja, não constrói.
- Como de hábito, Lula errou ao tratar ricos como vilões e pobres como mocinhos. Primeiro, porque a abordagem é enganosa: China, Índia e Rússia, que Lula entende fazerem parte do bloco dos pobres, são respectivamente o primeiro, o terceiro e o quinto maiores emissores de gases de efeito estufa. O Brasil vem em sexto. Os países europeus só entram na lista se forem tratados como um bloco. Segundo, porque os maiores emissores per capita são quase todos pobres; o único rico que faz parte dos 10 mais é a Austrália. E quem mais vem reduzindo emissões são justamente os ricos.
- O Brasil já mostrou que é capaz de eleger um negacionista ambiental, como fez em 2018 e quase fez de novo no ano passado. Lula reduziu muito o desmatamento, mas, depois da catástrofe ambiental que foi Bolsonaro, isso não era assim tão difícil. O fato é que o ano passado foi o pior desde 2005. O Congresso Nacional incluiu um jabuti no “pacote verde do Lira” (mas logo nele?) para subsidiar usinas de carvão. E o agro vai ficando fora da regulamentação do mercado de créditos de carbono — que está muito atrasada, por sinal.
- Por fim, há um descompasso entre o discurso e a prática de Lula. Lula defende a redução do combustível fóssil ao mesmo tempo em que o subsidia. E pretende ampliar a fronteira petrolífera na margem equatorial do Amazonas (mas logo lá?). Seu ministro das Minas e Energia fechou acordos de petróleo em Dubai e defende a entrada do Brasil na Opep+.
É fácil acusar o discurso de Lula de contraditório e até de hipócrita, mas ele não está sozinho. Contradição e hipocrisia são marcas registradas da discussão sobre o combate ao aquecimento global. A começar pelo lugar escolhido para a COP-28: Dubai fica no centro da região mais poluidora do planeta. O presidente da COP é presidente da petroleira dos Emirados Árabes, e no mês passado defendeu que “não há ciência” que indique a necessidade de eliminar os combustíveis fósseis. Os líderes dos dois campeões mundiais da sujeira, EUA e China, nem deram as caras na conferência.
Os esforços do mundo, incluindo o Brasil, para combater o aquecimento global estão longe de ter a urgência necessária.
Em tempo: Os Emirados Árabes Unidos são o sétimo maior produtor de petróleo do mundo. Curiosamente, Dubai, sede da COP-28, é o único emirado que praticamente não produz petróleo (sua economia se baseia em construção, comércio e serviços financeiros). Deve haver uma moral em algum lugar.
(Por Ricardo Rangel em 04/12/2023)