O Brasil afunda, Bolsonaro nada
Fiel a seu estilo, o presidente culpa os outros por sua inoperância
Mais de quarenta países estão vacinando, mais de 15 milhões de pessoas já foram imunizadas. Enquanto isso, no Brasil, onde já morreram 200 000 e não há data para o início da imunização, Jair Bolsonaro bota a culpa da falta de vacina nos laboratórios — sem nem por isso parar de fazer campanha contra ela.
Não é só vacina que falta. Depois de cinco meses sem se mexer, o governo promoveu um leilão para comprar 331 milhões de seringas e agulhas: ofereceu metade do preço de mercado e conseguiu 2,3% do que buscava. Fiel ao estilo Bolsonaro (“governar é botar a culpa nos outros”), o secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, “explicou” o retumbante fracasso: “Os licitantes não aceitaram reduzir os valores de seus lances aos preços estimados”. Ah, bom.
Espinafrado por todo mundo, o Ministério da Saúde acertou com três fabricantes para receber 30 milhões de seringas (quanto aos restantes 390 milhões, só Deus sabe). Foi a primeira boa notícia no calvário que é a luta pela vacina, mas o governo logo voltou à normalidade: o presidente achou a seringa cara, desautorizou Pazuello e mandou suspender a compra. A vida dos brasileiros, evidentemente, Bolsonaro acha barata. Não que já não soubéssemos.
“É reconfortante saber que Bolsonaro já admite perder em 2022”
Como o barco faz água por todos os lados, cada um busca sua tábua de salvação. O governador de São Paulo, realista em relação à capacidade de entrega do governo, fechou com antecedência com a Sinovac. Os outros governadores conversam com a Pfizer — Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), explicou: “A gente não vai ficar só olhando para o alento”. Clínicas particulares negociam a compra da vacina indiana Covaxin.
Como o governo não fornece bote salva-vidas, há quem ache, curiosamente, que o melhor é obrigar todo mundo a morrer afogado. O deputado Marcelo Freixo declarou que “não permitiremos” que as clínicas particulares cobrem para vacinar seus clientes — apesar de o governo não ter nenhum interesse pela Covaxin. O Ministério da Saúde, em vez de negociar com as clínicas para chegar a um desenho bom para todos, embarcou na canoa furada e alertou para o fato de que as clínicas devem seguir seu “plano” — ora, se houvesse um plano minimamente crível, ninguém estaria desesperado procurando tábua de salvação.
Enquanto os brasileiros se afogam, Jair “eu-não-sou-coveiro” Bolsonaro pesca, nada, faz aglomeração terrestre e aquática (com uma claque que manda João Doria “tomar caracu”), anuncia que “o Brasil está quebrado, não consigo fazer nada”, bota a culpa da pandemia na imprensa. Em dois anos de governo, Bolsonaro nada fez — ou tentou — além de jogar a culpa nos outros, mas tripudia: “Vão ter que me aguentar até o final de 2022, podem ter certeza”.
Faltam mais de 700 dias para o pior governo da história chegar ao fim, mas é reconfortante saber que Bolsonaro já admite perder em 2022. Quanto à “certeza” de que completa o mandato, bem, aí depende, inclusive de o Brasil não estar quebrado. Recomenda-se a Jair que pergunte a Dilma o que acontece quando o país se torna financeiramente insustentável.