Maduro põe Lula numa sinuca
Já passou da hora de o presidente brasileiro aprender a lição de José Saramago
Maduro diz que venceu a eleição.
As pesquisas indicavam que Nicolás Maduro perderia de lavada, mas o ditador, que já fraudou eleições antes e agora deu sumiço nos boletins, quer fazer crer que venceu.
Há tolos que acreditam. Há espertinhos que dizem que acreditam. O resto do mundo sabe que é fraude.
Fraude em eleições não é a única coisa que aproxima Maduro de Bolsonaro.
Maduro é uma espécie de Jair Bolsonaro venezuelano, só que bem-sucedido. Bolsonaro quis dar o golpe e virar ditador; Maduro conseguiu. Bolsonaro defendeu matar adversários; Maduro matou. Bolsonaro tentou cooptar militares com cargos, verbas e corrupção; Maduro cooptou. Bolsonaro cogitou controlar a Suprema Corte aumentando o número de ministros; Maduro o fez. Permanecendo no poder, Bolsonaro teria levado o país à catástrofe; Maduro levou.
Apesar de o equivalente brasuca de Maduro ser Bolsonaro, os bolsonaristas afirmam que Lula transformará o Brasil numa Venezuela. A acusação não tem cabimento, mas é compreensível: comparar o adversário com o pior governante do continente rende dividendos políticos.
Mais difícil de compreender é que Lula e o PT insistam em apoiar um ditador abominável como Maduro, insistência que lhes tira votos e os desmoraliza ante o país e o mundo.
Consta que Lula está furioso com Maduro, que o mandou tomar chamar chá de camomila e mentiu que as eleições brasileiras não são auditadas. Mesmo assim, o presidente brasileiro permanece, até agora, calado. É porque está numa sinuca.
Se reconhecer a vitória de Maduro, reconhecerá como legítima uma fraude feita para atropelar a vontade do povo e manter no poder um presidente antidemocrático — estratagema do qual ele mesmo foi vítima. Se puser o resultado em dúvida, exigindo provas da vitória, abandonará um velho amigo, trairá a estapafúrdia “causa” do “Sul global” e comprará briga com grande parte do PT.
O problema de você fazer vista grossa para coisas que tem obrigação de condenar é que quanto mais o tempo passa, mais difícil se torna corrigir seu caminho.
O grande escritor português José Saramago (morto em 2010), velho companheiro de Lula, tem uma lição a dar ao presidente brasileiro. Saramago apoiou Cuba e Fidel Castro por mais de 40 anos de maneira incondicional e indefensável. Em 2003, quando Fidel fuzilou três homens por tentarem fugir da ilha, cansou. Escreveu:
“Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho, e eu fico onde estou. Discordar é um direito que se encontra e se encontrará inscrito com tinta invisível em todas as declarações de direitos humanos passadas, presentes e futuras. Discordar é um ato irrenunciável de consciência. (…) Cuba (…) perdeu minha confiança, fraudou minhas esperanças, destruiu minhas ilusões. Até aqui cheguei.”
Lula precisa trocar “Cuba” por “Venezuela” na declaração de Saramago e retomar o caminho dos justos, mas a questão é como descalçar essa bota: se o Brasil denunciar a fraude, Maduro se isola e radicaliza. O desafio é encontrar uma saída para Maduro entregar o poder de forma pacífica — e não há chance de ele aceitar isso se não houver garantias de que continuará rico e em liberdade.
(Por Ricardo Rangel em 29/7/2024)