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Gil, o general e a mudança de atitude na ABL

Em sua posse como acadêmico, Gilberto Gil enfrentou uma saia-justa — e saiu-se com elegância

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 abr 2022, 16h51 - Publicado em 11 abr 2022, 19h34

Gilberto Gil foi preso, com Caetano Veloso, em dezembro de 1968, pouco depois da decretação do Ato Institucional nº 5. Os músicos passaram dois meses na cadeia, depois ficaram em prisão domiciliar até julho de 1969, quando foram soltos sob a condição de seguirem imediatamente para o exílio.

No momento em que Gil e Caetano foram presos, o ministro do Exército era o general Aurélio de Lyra Tavares, um dos signatários do AI-5. A organização da tortura nas dependências de unidades das Forças Armadas se iniciou quando o general era ministro.

Em agosto de 1969, o presidente-ditador Costa e Silva sofreu um derrame cerebral, e Lyra Tavares participou de um novo golpe dentro do golpe para impedir o vice-presidente civil Pedro Aleixo de tomar posse, passando a integrar a Junta Militar que assumiu o poder. Cedeu o poder ao general-ditador Emílio Garrastazu Médici em outubro.

Em 1970, a Academia Brasileira de Letras recebeu entre seus membros o general Aurélio de Lyra Tavares. Cinquenta e dois anos depois, recebeu Gilberto Gil. Por essas trapaças da sorte, coube ao ex-prisioneiro a cadeira outrora ocupada por seu antigo algoz.

A tradição determina que o recém-empossado teça elogios a seus antecessores, e Gil, após reconhecer a existência da saia-justa, afirmou que “os que conheceram e conviveram” com o general “reiteram o seu comportamento sempre afável e solidário, sua cultura literária e histórica, etc.”. Não traiu a tradição e enumerou alguns elogios, mas nem por isso se rebaixou: ficou claro que quem tem elogios ao ditador não é ele, mas terceiros. Foi elegante — mas altivo. Um gentleman.

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Houve um tempo em que a Academia bajulava autoritários poderosos e inimigos da cultura e da democracia — e Lyra Tavares está longe de ser o único exemplo. Felizmente, esse tempo parece ir longe. As últimas eleições na ABL consagraram defensores da cultura e da democracia, críticos do autoritário poderoso da hora, como é o caso de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil, recém-empossados, e de Eduardo Giannetti da Fonseca, recém-eleito.

A mudança de atitude é uma boa notícia para a Academia, para a cultura e para o Brasil.

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