Caso Marielle: Bolsonaro na berlinda de novo
Por que o ex-presidente tem tanto interesse na investigação do assassinato de Marielle Franco ?
O delegado Leandro Almada conseguiu a delação de Élcio de Queiroz apenas seis meses depois de a Polícia Federal assumir a investigação do caso Marielle.
A delação de Élcio pôs na berlinda o governador do Rio, Claudio Castro. O governador fez intensa campanha contra a nomeação de Leandro Almada como superintendente da PF/Rio de Janeiro. E nos quase três anos desde que assumiu, as procuradoras responsáveis abandonaram o caso por causa de “interferência externa” e a investigação ficou empacada.
Sem falar que o assassinato do suposto intermediário apontado por Queiroz, Edmilson “Macalé”, não foi sequer investigado pela Polícia Civil de Castro. A Civil bota a culpa no Ministério Público do Rio… cujo Procurador-Geral é indicação também de Castro.
Mas a evolução da investigação traz de volta à berlinda outra personagem: Jair Bolsonaro.
São muitos os elos ligando o ex-presidente ao caso. O primeiro, claro, é que o assassino, Ronnie Lessa, morava no mesmo condomínio onde moravam Bolsonaro e o filho Carlos. Mas há muito mais. E começa antes.
O início da investigação foi turbulento, com testemunhas e evidências plantadas para incriminar um vereador e um miliciano. A obstrução foi descoberta e atribuída a outro político, ligado à milícia. Quando a investigação voltou aos trilhos, o primeiro suspeito foi o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, um matador de aluguel também ligado à milícia.
Adriano ficou foragido até ser morto na Bahia, em fevereiro de 2020, em uma operação da Polícia Civil do estado com nítidos contornos de queima de arquivo. A viúva de Adriano diz hoje que o contrato chegou a ser oferecido a ele, mas que ele recusou. A irmã de Adriano foi gravada em 2022 dizendo que “ele era um arquivo morto” e “que tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele”.
Adriano foi amigo da família Bolsonaro por 20 anos. Ganhou medalha do deputado Flávio em 2004, quando estava preso por assassinato, e discurso do deputado Jair em 2005 pedindo sua liberdade. Flavio empregou em seu gabinete a mulher e a mãe de Adriano e as demitiu somente no início da campanha eleitoral de 2018. Quem apresentou Adriano a Flavio foi Fabricio Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro há 40 anos, e que foi certa vez acusado de assassinato juntamente com Adriano.
Imediatamente depois da prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, em março de 2019, Bolsonaro começou a pressionar Sergio Moro para que trocasse o superintendente do Rio. Não havia motivo aparente para a troca nem mesmo no plano pessoal: Flávio e Carlos eram investigados por desvio de dinheiro público, mas pela Polícia Civil do estado, sem participação da PF. Em agosto, Moro cedeu e trocou. Bolsonaro também fez intensa campanha para federalizar o caso, mas não conseguiu.
Em seguida o porteiro do condomínio declarou que quando Élcio foi buscar Ronnie no condomínio, teria pedido para chamar a casa de Bolsonaro, e que o próprio presidente teria autorizado sua entrada. Está provado que Bolsonaro estava em Brasília nesse dia e a versão do porteiro foi desmentida, com base na perícia da gravação da chamada, pelas mesmas promotoras que identificaram a obstrução de justiça e prenderam Ronnie e Élcio. Não se sabe se ou por que alguém tentaria envolver o presidente na trama de um assassinato comum.
O presidente, sem autoridade para isso, mandou a Polícia Federal investigar o porteiro, que foi ameaçado de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional. O porteiro se retratou (mas não foi investigado por ninguém). Bolsonaro ainda mandou a PF tomar o depoimento de Ronnie Lessa, ao qual teve acesso. (Usar a PF para propósitos particulares, naturalmente, é crime).
No ano seguinte, o então governador Wilson Witzel, foi afastado por corrupção e substituído pelo vice (Castro). Algum tempo mais tarde, Witzel deu entrevista afirmando que:
1) Bolsonaro rompeu com ele e passou a persegui-lo quando Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos;
2) Seu impeachment foi sacramentado quando Lindôra Araújo e Augusto Aras deram parecer favorável para que o STF apreciasse o pedido de impeachment;
3) Claudio Castro teria feito um acordo com Bolsonaro para que o presidente tirasse do Rio um delegado da PF que movia contra ele uma investigação sobre corrupção.
Ainda em 2020, Bolsonaro começou a pressionar Moro para trocar o superintendente da PF (pela segunda vez em menos de um ano). “Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o Ministro”, disse o presidente no fim de abril. Moro caiu junto com o diretor da PF. O novo diretor substituiu o superintendente do Rio no mesmo dia em que assumiu.
Claudio Castro tem que explicar sua inação em relação ao caso.
E Jair Bolsonaro tem que explicar muito mais.