Há muitas prioridades para 2022. A vacinação. O combate à fome, à miséria e à desigualdade, que recrudesceram por causa da recessão e da pandemia. Recuperar o tempo perdido na educação. Retomar o crescimento econômico e as reformas do Estado e reduzir o desemprego.
Combater o desmatamento (e estipular que a meta é zero). Recuperar os investimentos em ciência e tecnologia. Discutir como reduzir o impacto da revolução tecnológica nos empregos. Reconstruir a democracia e suas instituições.
E, claro, retirar Bolsonaro do poder.
Com exceção do último item (que ele quer impedir), nada disso é prioridade para Jair Bolsonaro. E é por isso mesmo que a maior prioridade do Brasil para 2022 é remover Jair Bolsonaro do poder.
Felizmente, tudo indica que isso ocorrerá. O problema é que esse “tudo indica” está levando a conclusões precipitadas, potencialmente equivocadas e perigosas. Bolsonaro, ao contrário do que muitos acreditam, não está morto. Ele tem o Diário Oficial e uma caneta cheia de tinta, vai gastar dinheiro a rodo nos próximos meses. É provável que suas intenções de votos subam.
“Será uma ironia amarga o Brasil se ver obrigado a eleger o PT para escapar de Jair Bolsonaro”
Por seu lado, a nação petista tem tanta certeza de que Bolsonaro está morto e anda tão confiante na vitória de Lula que já está até fazendo a partilha dos ministérios. Não existe nada mais perigoso do que o clima de “já ganhou”: quem acha que a vitória é certa não percebe os próprios erros. E Lula tem cometido erros.
Lula defende ditaduras e afirma que o mensalão e o petrolão não existiram e que a Lava-Jato foi uma operação dos EUA para “destruir a indústria naval brasileira” (que indústria naval?). Nos últimos dias, ameaçou revogar a reforma trabalhista e permitiu que Guido Mantega publicasse um artigo afrontoso em sua escancarada mistificação. Com isso, não ganha voto (a esquerda já vota nele), mas perde.
Se Bolsonaro crescer, Lula cair e a terceira via continuar parada, aumenta a chance de uma surpresa desagradável no segundo turno. Mas os erros de Lula favorecem também a terceira via, que não está morta — até porque a eleição de 2022 será diferente de todas as eleições que o Brasil já teve.
Em uma eleição comum, costuma ser melhor seguir até o final e ser derrotado do que renunciar: o candidato fica mais conhecido e tem mais força para negociar apoios no segundo turno. Neste ano, entretanto, insistir em uma candidatura sem chances contribui para matar a terceira via e garantir um segundo turno entre Bolsonaro e Lula. Candidatos sem chances serão abandonados por seus próprios partidos e pressionados a desistir. Os próprios candidatos tendem a preferir renunciar a ser os causadores do que o empresário Pedro Passos descreveu como uma escolha “entre o inaceitável e o indesejável”.
Quem sobreviver ao jogo de resta um receberá os votos de todos que quiserem evitar um segundo turno entre Lula e Bolsonaro — não serão poucos. Ainda há muita água para rolar, mas será uma ironia amarga caso o Brasil, que em 2018 cometeu o despautério de eleger Jair Bolsonaro para escapar do PT, se veja obrigado a eleger o PT para escapar de Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771