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Uma política ingênua e errática

Vale a pena ler o artigo de Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha, sobre a política externa brasileira. O texto foi publicado na edição do jornal desta terça. Não concordo com tudo o que vai nele. As razões por que os EUA se envolvem tanto nos conflitos do Oriente Médio me parecem um […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 15h43 - Publicado em 16 mar 2010, 18h02
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  • Vale a pena ler o artigo de Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha, sobre a política externa brasileira. O texto foi publicado na edição do jornal desta terça. Não concordo com tudo o que vai nele. As razões por que os EUA se envolvem tanto nos conflitos do Oriente Médio me parecem um tanto simplificadas. Mas não é o eixo do texto, que traz muitas outras questões absolutamente pertinentes. Leiam:

    *
    Durante muito tempo, a política externa brasileira foi negligenciada no debate público. Como ocorre em toda nação continental, a agenda interna sempre esmagou a externa, efeito acentuado, em nosso caso, pelo discreto relevo internacional do país. Aos poucos, esse quadro começa a mudar.

    Talvez seja nossa inexperiência no palco do mundo, combinada à afoiteza do governo Lula em projetar a todo custo o peso geopolítico que o país já alcançou, o que nos leva a cometer equívocos em cascata e enveredar por um caminho temerário.

    Veja-se, por exemplo, o caso do Irã. Ao que tudo indica, a elite dirigente daquele país (incluída a facção oposicionista) acredita que possuir armas nucleares seja um imperativo de segurança nacional. Não é absurdo que pense assim. Os americanos promovem atualmente duas guerras de invasão nos países que fazem fronteira com o Irã a oeste (Iraque) e a leste (Afeganistão). A menos de mil quilômetros de seus limites territoriais, a distância entre São Paulo e Brasília, o Irã tem cinco vizinhos inamistosos e dotados de capacidade militar nuclear: Paquistão, Índia, China, Rússia e Israel.

    Se essa premissa for aceita, nada deterá o Irã (exceto, talvez, um desesperado ataque preventivo de Israel). O mais provável é que Israel e Irã convivam no futuro sob o “equilíbrio do terror nuclear”, o mesmo mecanismo que deteve Estados Unidos e União Soviética no passado e detém os arqui-inimigos Índia e Paquistão hoje. O que o Brasil tem a ganhar ao se imiscuir em problema que não é diretamente seu, numa conjuntura geograficamente remota e comercialmente pouco importante para nós?

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    Os Estados Unidos influem e se intrometem nos conflitos do Oriente Médio não para pavonear seu peso mundial, como parecem supor nosso simplório presidente e seu trêfego chanceler. Os EUA estão atolados até o pescoço na região porque sua economia é dependente do petróleo local (não é o caso da nossa) e sua comunidade judaica exerce peso desproporcional nas eleições americanas (diferente de novo do Brasil, onde comunidades de origem judaica e árabe têm expressão equilibrada e convivem de fato).

    Não existe razão de política externa para que nossa atitude perante a complexa, quase insolúvel, contenda entre israelenses e palestinos seja outra que não uma equidistância comedida, sempre favorável à não violência e à negociação direta entre as partes. Retomar esse contato direto, aliás, é hoje o ponto crucial naquele conturbado trecho do globo. Nossa “diplomacia do futebol” tem pouco a fazer ali, exceto passar ridículo.

    Numa entrevista recente, o novo embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, disse algo significativo, o que é inusitado entre diplomatas. Referindo-se às relações entre nossos dois países, constatou que “vamos começar a nos esbarrar por aí”. Shannon aludia ao fato de que o aumento do peso econômico e comercial do Brasil aumenta sua influência externa, irradia seus interesses e o expõe a crescentes áreas de atrito com outros países relevantes, desde logo os próprios Estados Unidos.

    Em outras palavras, não precisamos buscar sarnas para nos coçar, elas virão natural e infelizmente como decorrência de nossa projeção maior na geopolítica mundial. Logo teremos de enfrentar decisões realmente difíceis.

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    É provável, por exemplo, que o Brasil venha a ser um dos cinco entes soberanos a predominar no planeta antes de meados do século, junto com a China, os Estados Unidos, a Índia e a Europa. Continuaremos a ser o único a prescindir de armas nucleares como recurso dissuasivo? O ex-ministro Rubens Ricupero tem uma bela argumentação em defesa dessa originalidade, talvez até como contribuição da cultura brasileira ao futuro dos povos.

    Mesmo no âmbito de uma perspectiva pacifista, porém, que é da nossa tradição, abdicar de arma atômica implica como contrapartida a obrigação de dotar o país de recursos militares convencionais muito mais onerosos e destrutivos do que o aparato atual. São questões graves como essa que merecem debate profundo, mais que nossa ingênua, felizmente inócua, aparição no Oriente Médio ou nossa desastrada e igualmente inócua ingerência nos assuntos internos de Honduras.

    Toda política externa deve combinar o interesse egoísta do próprio país com um elenco de valores universais (essencialmente, respeito aos direitos humanos e à autodeterminação dos povos). Ela será tanto mais sólida e respeitável quanto mais os dois aspectos se harmonizarem sem grande contradição. O que estamos fazendo é uma política errática, cheia de distorções seletivas, de modo que a questão dos direitos humanos, por exemplo, deixa de ter qualquer valor no trato com inimigos de Washington, os quais adulamos para sermos vistos como “independentes”.

    Vamos confrontar os Estados Unidos, sim, e cada vez mais. Mas vamos fazê-lo quando for relevante para o Brasil, não para realizar as fantasias ideológicas da militância que aplaude o presidente Lula e seu chanceler Celso Amorim, o qual errou mais uma vez quando se filiou no ano passado ao PT. Chanceler não deveria ter partido. Parodiando Clemenceau (1841-1929), a diplomacia é assunto sério demais para ser relegado a diplomatas e a ideólogos partidários.

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