As ofensas, como era previsível, chegaram. E não trazem também nenhuma novidade. Não tenho nada a acrescentar ao que escrevi há um ano e meio, quando critiquei Saramago e fui parar na boca do sapo. A síntese é a seguinte: Saramago não acreditava em Deus, e eu não acreditava em Saramago. Reproduzo:
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“Saramago é Prêmio Nobel, e você é só um blogueiro”.
“Saramago não vai dormir à noite depois de sua crítica”.
“Você não tem vergonha de criticar Saramago?”
“Reinaldo, primeiro vá ser Prêmio Nobel’.
“Quem sabe escreve como Saramago; quem não sabe o critica”.
“Que vergonha! O blogueiro quer aparecer”.
“Basta que alguém seja unanimidade, e lá vai o Reinaldinho criticá-lo”.
“Saramago não tem o direito de ter a sua ideologia?”
Entendi tudo: Saramago – e outros idiotas não-laureados – podem atacar nada menos do que Deus. É isto mesmo: esses humildes analistas não vêem mal nenhum nisso e reivindicam o que consideram ser um direito e matéria de liberdade de expressão. Estão certos nesse particular. É evidente que, numa democracia, pode-se criticar qualquer um – e qualquer um inclui mesmo “o UM”.
Mas alto lá! Criticar Saramago já é demais! Aí já passa da conta. Quando se é Saramago, pode-se criticar Deus mesmo tendo, como tem o escritor português, uma reputação mais curta. Não que ele não opere alguns milagres: o maior deles é ter uma legião de fãs que estão convictos de que compreendem TUDO o que ele escreve. Duvido que seja mais difícil provar a lógica da Trindade do que entender certos períodos de Saramago. Religiões… Mas volto.
Quando se é Saramago, pode-se criticar Deus mesmo sem ser Deus. Já um crítico de Saramago, segundo entendi, precisa antes ganhar um Nobel de Literatura para ter o direito de censurar suas tolices – sim, ele piscou uma das orelhas para o extermínio dos humanos. A espécie não passou no crivo de seu “marxismo hormonal”. Ademais, a estarem certos estes que me escrevem, é preciso começar a conferir Nobel de crítica para que os “nobelados” possam ser criticados…
Ofende afirmar que ele é um cretino? Pois é um cretino. O mundo deixado ao seu escrutínio resultaria em quê? Na ditadura do que ele chama “razão” (a sua particularíssima noção de razão), a mesma aplicada por todos os facínoras comunistas, que são os seus heróis. Os nazistas acreditavam na eugenia propriamente dita, e Saramago e os comunistas sempre defenderam uma variante dela, que é a limpeza ideológica.
O autor mais lido também em Portugal é Paulo Coelho? Certamente se trata de uma literatura inferior à de Saramago – ou melhor, deve ser: nunca li nada de Coelho. Mas conheço um pouco das tentações totalitárias do outro. Não duvidem: fôssemos obrigados a escolher entre alguém que quisesse realizar a utopia coelheana e alguém que pretendesse usar o norte moral do escritor português, quem vocês acham que colecionaria o maior número de cadáveres ao fim da jornada? Mas, claro, claro, o mago é um bobo que, suponho, nos convide a meditações transcendentais e algum incenso. Já o comuna tem a utopia do “novo homem” – que custa apenas a morte de alguns milhões de velhos homens.
Não contem comigo para este lixo ético. Nem com o meu silêncio. “Ah, e quem é você diante do grande escritor?” Eu? Não sou nada! Mas garanto que, fôssemos da mesma espécie moral, eu estaria mais próximo da estatura de Saramago do que Saramago da estatura de Deus!