O espírito das ruas – Quem vai abreviar o mandato de Dilma Rousseff para o bem do Brasil
Em artigo exclusivo para o blog, Renan Santos, um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre, recupera a origem do espírito que levou milhões para as ruas
Renan Santos é um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre. MBL e Vem Pra Rua — em companhia de outros grupos — respondem pela convocação e organização das maiores manifestações da história do país. Foram eles os primeiros a ter a coragem de apontar que o rei — ou a rainha, se indelicado não parecer — estava nu. Quando convocaram a primeira manifestação em favor do impeachment, em março do ano passado, boa parte do establishment político olhou aquilo com incredulidade. Eis Dilma Rousseff por um fio, que vai se romper.
No excelente artigo que escreve para este blog, abaixo, Renan trata do espírito que anima os brasileiros que ocuparam os espaços públicos para pedir, de forma ordeira e pacífica, que Dilma deixe a Presidência da República.
Renan trata da crise de representatividade, da descrença do homem médio nas soluções tradicionais e da forma como o PT se tornou um agente verdadeiramente reacionário da vida pública. E constata que é preciso recuperar, sobre novas bases, a confiança na política.
Eis outra novidade que os tolos se negam a ver. Os jovens que hoje compõem a linha de frente do combate aos males que o PT faz ao Brasil são capazes de pensar com qualidade. Os esquerdistas adoram supor que têm o monopólio não apenas da bondade, mas também da reflexão. E, hoje, eles se tornaram monopolistas apenas da justificativa do roubo virtuoso.
Leiam o artigo de Renan.
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A improvável Revolução de Pessimildo
O fenômeno responsável pela queda de Dilma Rousseff encontra alguma similaridade com outras ocorrências mundo afora, mas também é único. A crise de representatividade política, a ojeriza ao establishment, os movimentos descentralizados e o uso da política em rede são fatores comuns, mas não explicam de maneira acurada o momento atual.
Antes de tudo, nosso movimento representa uma rearticulação de setores médios da nossa sociedade, que se encontravam dispersos em meio a um mar de informações e anseios conflitantes, a que esses setores se mostravam incapazes de dar expressão.
O aparelhamento de instâncias representativas da sociedade civil, tais como a OAB, sindicatos, entidades estudantis e igrejas, determinou o isolamento político do cidadão médio, que, ensimesmado, resmungava consigo mesmo e para os próximos seu desconforto com a corrupção, a taxação, os impostos escorchantes, os serviços públicos pífios — em suma, o “estado das coisas”.
Surgia ali o “Pessimildo”, o brasileiro médio que representava 40% dos votos em todas as eleições presidenciais desde 2006, mas que era incapaz de reunir dez pessoas numa praça para se fazer ouvir. Pior: era esconjurado em verso e prosa por Lula em sua cantilena anticlasse média, carinhosamente convertida em “elite branca, de olhos azuis, como o capeta encarnado, suposto empecilho no caminho da glória, entre copas do mundo, olimpíadas e ufanismos.
Pessimildo lutava uma guerra sem quartel. Votava em gente que tinha nojo de seus valores; era chamado de burro, reacionário, chato e cafona. Seus filhos aprendiam que Pessimildo era uma categoria histórica a ser superada. E convinha aos jovens de bom gosto olhar com desdém para suas aspirações.
Na condição de empresário, convivi muito com Pessimildo. Assitia a suas constantes reclamações com os juros, os impostos e a legislação trabalhista. Sabe como é… Ele trabalha no setor privado, o pobre!. Já em 2012, podia prever que a vaca iria para o brejo. Setores como o automotivo e a construção civil demonstravam estagnação desde essa época. Indústrias fechavam aos montes. Mas era proibido ouvir Pessimildo.
A falência do modelo econômico lulista se deu ao mesmo tempo em que falia seu projeto político. O “programa de transição” petista se dava na aliança entre o dito “proletariado”, então representado pelo PT, e o nosso “Ancien Régime”, materializado nos velhos coronéis políticos do Nordeste, donos de empreiteiras e empresários convertidos em aristocracia no capitalismo sem riscos do BNDES.
O impasse, segundo os petistas, se resolveria apenas com uma reforma política que concentrasse poderes e verbas nas mãos do partido e com o silêncio bovino do cada vez mais desacreditado Pessimildo. Cumpre lembrar: a pauta política artificial que emergiu do cada vez menos espontâneo “Junho de 2013″ foi a bizarra reforma política petista, capitaneada por “movimentos sociais” e pela “intelectualidade” uspiana de esquerda.
Tal reforma, baseada no financiamento público de campanhas e na lista fechada, representava uma mão na roda para o beneficiário maior do, nas palavras da Odebrecht, “sistema ilegítimo e ilegal de financiamento do sistema partidário-eleitoral” brasileiro: o Partido dos Trabalhadores.
Essa era a única maneira de romper com os parceiros de ocasião, que se aliavam, mas com rebeldia crescente, à coalizão governista liderada por Dilma. Segundo o modelo petista, tais aliados deveriam ser “dialeticamente” usados e superados pela concentração de poder e recursos nas mãos de um partido que detinha o controle total da maior fonte de financiamento político do país. Era pra dar certo. Mas o encanto se quebrou.
Quebrou porque “os companheiros” não contavam com o esgotamento do modelo gastador implementado por Lula e Mantega. Quebrou porque não poderiam imaginar que algo como a Operação Lava Jato pudesse existir. E, principalmente, quebrou porque as “Jornadas de Junho de 2013″ representaram um enorme fracasso para a esquerda do PT. Ao invés de assustarem Pessimildo, levaram-no às ruas. E ele gostou da brincadeira.
As manifestações de 2013 eram, sim, críticas à gestão Dilma, mas não aos fundamentos da elite dirigente. Suas reivindicações, se atendidas, culminariam inevitavelmente em mais Estado e mais governo. Seus idealizadores, o “Movimento Passe Livre”, continuam batalhando pelos cantos em conformidade, agora em conformidade com a estratégia diversionista do Planalto. Sem sucesso! Foi outra a catarse de 2013. A classe média, ainda que desarticulada e enfurecida, tomou das esquerdas o comando. Ainda que incapaz, então, de estabelecer uma agenda, impôs seus sentimentos e frustrações.
Foi assim que se criou a cultura de resistência que está na nas ruas. A iconografia e as palavras de ordem de 2015-2016 surgiram em 2013: “sem violência, sem partido, sem bandeira, camisetas verde-amarelas, MASP, ojeriza à corrupção…” Estava tudo lá. Já dizia Heráclito: “O ser de uma coisa finita é trazer em si o germe de sua destruição; a hora de seu nascimento é também a hora de sua morte.” Junho de 2013 carregava o germe de março de 2015. O PT começou a morrer ali.
Quando o MBL convocou sua primeira manifestação, em 1º de Novembro de 2014, sabíamos que iria dar certo. Aprendemos em 2013 quem era o público a ser convocado. Já sabíamos os primeiros cânticos, a linguagem comum a ser observada. Conhecíamos também os erros: sabíamos que era necessário contar com lideranças legítimas e com uma agenda factível.
O surgimento do MBL, do Vem Pra Rua e dos demais movimentos de rua possibilitou a criação de um antes inimaginável tecido político que reagrupou os milhões de Pessimildos espalhados país afora. Tudo aquilo que fora perdido em anos de aparelhamento ilegítimo das instâncias representativas da sociedade civil foi recuperado no prazo de um ano. Mais: ao contrário de fenômenos similares analisados por teóricos do mundo em rede — Occupy Wall Street, Indignados, Primavera Árabe — a revolução do Pessimildo não conta com apoio entusiasmado da academia, da imprensa e do establishment cultural. Muito longe disso, por sinal.
Esse organismo vivo, que tomou corpo ao longo de 2015, impôs derrotas fragorosas a todos os que se colocaram em seu caminho. A oposição vacilante foi atropelada pelas incisivas manifestações de 12 de abril e pela Marcha pela Liberdade, que resultou em um posicionamento pró-impeachment, na Câmara, das bancadas do PSDB, DEM e PPS. Manifestações pelegas dos outrora temidos “movimentos sociais” viraram motivo de chacota na Internet. Declarações oficiais eram convertidas em memes e piadas. Fases da Operação Lava Jato eram narradas como se fossem fim de campeonato.
Nem setores da grande imprensa escaparam. A tentativa de transformar o fenômeno em um Fla x Flu entre Cunha e Dilma naufragou, assim como a cobertura ultrajante que fizeram das aspirações dos brasileiros que saiam às ruas.
Muito a contragosto, tiveram de se render à agenda de Pessimildo: levamos o impeachment ladeira acima e unificamos um país disperso e deprimido. O monumental 13 de Março serviu como pá de cal para a luta inglória do jornalismo militante.
O combate à corrupção deixou de ser “moralismo pequeno burguês” da classe média e entrou na agenda do dia de todas as classes sociais. Ricos e pobres querem um país livre da corrupção — e não surpreende que o tema, pela primeira vez, tenha virado a maior preocupação dos brasileiros, conforme pesquisa recente da CNI.
Gostem ou não nossos intelectuais de esquerda, mas essa inédita articulação dos setores produtivos da nossa sociedade — assalariados e pequenos empresários — converteu-se numa força política sem paralelo em nossa história recente. É sólida, pois se baseia na consolidação institucional de valores já presentes na sociedade civil; é poderosa, pois comunica-se em rede numa velocidade jamais imaginada por qualquer Marina Silva.
A Revolução do Pessimildo é o fenômeno político mais excitante do mundo no momento. Seu sucesso dependerá de sua capacidade de converter tal impulso transformador em representação política, seja no Congresso Nacional, seja nos aparelhos da educação e da cultura que articulam os valores da política. Será um longo e árduo trabalho.
Mas, como a gente sabe, isso não assusta mais o Pessimildo.
Ele gosta de trabalhar.