Janot lidera disputa para comandar PGR. Ou ainda: Uma estranha eleição, que não está prevista nem na Carta nem nas leis
Conforme o esperado, Rodrigo Janot venceu a eleição e deve ser indicado pela presidente Dilma Rousseff para comandar por mais dois anos a Procuradoria-Geral da República. Embora houvesse 1.240 procuradores aptos a votar, apenas 983 compareceram à urna — 79,27%. Cada um pode votar em três nomes. Janot obteve 799 votos, seguido por Mario Bonsaglia, […]
Conforme o esperado, Rodrigo Janot venceu a eleição e deve ser indicado pela presidente Dilma Rousseff para comandar por mais dois anos a Procuradoria-Geral da República. Embora houvesse 1.240 procuradores aptos a votar, apenas 983 compareceram à urna — 79,27%. Cada um pode votar em três nomes.
Janot obteve 799 votos, seguido por Mario Bonsaglia, Raquel Dodge e Carlos Frederico Santos, com, respectivamente, 462, 402 e 207 votos. O último ficará fora da lista tríplice a ser enviada para a presidente Dilma Rousseff, que pode, em tese, escolher qualquer um dos três — a tradição é ficar com o primeiro.
O nome, então, tem de ser submetido ao Senado Federal e pode, em tese ao menos, ser recusado. Uma tensão óbvia está associada a Janot. Lideranças políticas se sentem injustiçadas ou perseguidas pela Operação Lava Jato, e há quem veja até mesmo o risco de a Casa se recusar a dar um segundo mandato ao atual procurador-geral — coisa de que, sinceramente, eu duvido.
Este blog existe, também, para ir além do óbvio. Vamos lá.
A eleição do PGR
A Procuradoria-Geral da República é uma guardiã da lei, certo? Pouca gente sabe QUE INEXISTE NA CONSTITUIÇÃO QUALQUER COISA PARECIDA COM ELEIÇÃO DIRETA PARA PROCURADOR-GERAL. TAMPOUCO ESTÁ NA CARTA QUE UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA TENHA DE ESCOLHER O MAIS VOTADO DE UMA LISTA TRÍPLICE. Por que, então, existe eleição? Talvez por contaminação. Explico.
O Artigo 128 da Constituição define duas formas de escolha para o comando do Ministério Público. O Parágrafo 3º trata de eleição nos Estados e no Distrito Federal. Leiam:
“§ 3º – Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.”
E o parágrafo primeiro cuida do Ministério Público da União. Assim:
“§ 1º – O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.”
Como se vê, não há menção nenhuma a eleição direta, lista tríplice ou algo do gênero. Essa foi uma informalidade legal que o MP Federal outorgou a si mesmo. Há um outro dado curioso.
Quando se escolhe o procurador-geral da República, ele será o chefe do Ministério Público da União (MPU), não apenas do Ministério Público Federal (MPF). Ocorre que o MPU é muito maior do que o MPF, que compreende:
a) o próprio Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Insisto: se Janot for reconduzido ao cargo, ele continuará chefe desses quatro entes que compõem o MPU. Ocorre que o colégio eleitoral que escolhe o comandante inclui apenas os membros do MPF. Os demais não votam. Só podem indicar os três nomes os procuradores filiados à ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), que é uma entidade de caráter sindical. É ela que promove a eleição.
E antes que algum idiota diga que só lembrei a lei porque tenho reservas ao trabalho de Janot — sim, tenho! Ele precisa, no mínimo, pedir abertura de inquérito contra Dilma —, lembro que tratei desse assunto aqui no dia 23 de abril de 2013, quase um ano antes de vir à luz a Operação Lava Jato, quando Janot tinha acabado de vencer a disputa para o primeiro mandato e não tinha nem sido indicado por Dilma.
É evidente que é preciso mudar a Constituição para definir, se for o caso, a eleição direta — hoje, ela está na informalidade. Na definição, parece-me, então, ser preciso estender aos demais membros do Ministério Público da União (MPU) o direito ao sufrágio. Afinal, ou a eleição honra a democracia com o voto universal na categoria ou se mantém o atual sistema, que discrimina parte considerável do Ministério Público da União.