Gurgel também leu a Constituição e a jurisprudência do Supremo — que bom! — e diz que projeto contra novos partidos tem de ser arquivado. Mais: Diz que nem emenda constitucional pode inibir novos partidos
Lá vamos nós. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal parecer em que sustenta que o projeto que inibe a formação de novos partidos é inconstitucional e fere cláusulas pétreas da Constituição. Ufa! É sinal de que Gurgel leu a Constituição e conhece a jurisprudência do Supremo. O ministro Gilmar Mendes […]
Lá vamos nós. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal parecer em que sustenta que o projeto que inibe a formação de novos partidos é inconstitucional e fere cláusulas pétreas da Constituição. Ufa! É sinal de que Gurgel leu a Constituição e conhece a jurisprudência do Supremo.
O ministro Gilmar Mendes concedeu, como sabem, uma liminar a mandado de segurança impetrado pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) contra o tal projeto. A íntegra da liminar, que setores da imprensa parecem fazer questão de não ler, está aqui. Ali se evidencia por que estamos dentro dos mais rigorosos padrões constitucionais. Em síntese:
a: parlamentares detêm legitimidade ativa para impetrar mandados de segurança contra ações legislativas (projetos ou emendas);
b: o STF detém o controle de constitucionalidade tanto formal como material do processo legislativo;
c: o projeto acaba por ferir cláusulas pétreas da Constituição;
d: o projeto se choca com interpretação conforme a Constituição do próprio Supremo;
e: ações legislativas que firam essa interpretação, segundo jurisprudência do próprio tribunal, são inconstitucionais;
f: a liminar se justifica porque se trata de interromper um prejuízo que já está em curso.
Muito bem. Sintetizo, em linguagem não exatamente jurídica, as razões da liminar e seu conteúdo. Os que quiserem uma argumentação estritamente técnica, que se aprofunde na questão jurídica, podem ler o artigo artigo do professor Eliardo Teles Filho.
No parecer enviado ao Supremo, afirma Gurgel, segundo informa a Folha:
“Deve ser reconhecido que o projeto de lei atacado pelo impetrante agride a Constituição em seus elementos centrais, em cláusulas pétreas, expondo-se, assim, à corrigenda pelo Supremo Tribunal Federal em mandado de segurança impetrado por senador da República antes mesmo de se ultimar a votação em Plenário do Senado”
(…)
“É atividade inerente ao Poder Judiciário corrigir fraudes à Constituição. E é disso que se trata quando o Supremo Tribunal Federal se depara com um projeto de lei que veicula proposta normativa que é de deliberação vedada até mesmo pelo Poder Constituinte de reforma”.
(…)
“É de imediata compreensão o efeito inibidor que o atual momento deliberativo do projeto de lei provoca sobre as perspectivas de viabilidade prática de novas formações partidárias no interior do Congresso Nacional, dada a incontestável importância do direito de antena para a consolidação dos partidos políticos”
Retomo
O “direito de antena”, no caso, é o tempo de televisão, hoje considerado vital — e é mesmo — para que as legendas ganhem visibilidade e viabilidade. Notem que, em seu parecer, Gurgel vai além até, nas considerações, da liminar concedida por Mendes. Entende-se de seu texto que aos parlamentares seria vetado propor leis que inibam novos partidos ainda que fosse por emenda constitucional. Na prática, convenha-se, o que se quer é proibir o surgimento de novos partidos, o que agride frontalmente a liberdade de organização.
Sim, leitores, eu considero que um excesso de partidos é nefasto para a democracia brasileira. Mas as maiorias de ocasião não podem usar as leis, contra a Constituição, a seu bel-prazer para garantir o statu quo — e, no fim das contas, os próprios privilégios. A política brasileira, acho eu, seria mais civilizada com dois ou, no máximo, três partidos. Mas isso não pode ser importo de maneira cartorial.
É claro que a liminar de Mendes se justifica e é claro que Gurgel está certo! Proibir — e é isso que se trata, na prática — a formação de novas legendas significa aprisionar nos partidos que aí estão a diversidade do Brasil. Reitero: acho, sim, que duas ou três legendas dariam conta dessa diversidade, com a formação de alas internas, como ocorre nos partidos Democrata e Republicano nos EUA. Mas jamais ocorreria àquele país usar a força normativa do estado para impedir a organização partidária. Como, por lá, não existem estrovengas como horário político gratuito, então esse tipo de golpe é impossível e impensável.
Vamos ver, agora, o que vai dizer o plenário do Supremo.
Leia a íntegra do parecer de Gurgel.