A VEJA desta semana traz uma resenha de autoria deste escriba do livro “Ascensão e Queda do Comunismo”, de Archie Brown. Segue um trecho.
Não foi o então presidente americano, Ronald Reagan, que matou o comunismo. Também não foi o papa João Paulo II. Tampouco foram as fragilidades do modelo. O sistema cometeu suicídio quando resolveu experimentar um pouco de liberdade. É, ao menos, o que sustenta o cientista político e historiador escocês Archie Brown em Ascensão e Queda do Comunismo (tradução de Bruno Casotti; Record; 854 páginas; 89,90 reais). O ambiente era bem deprimente na União Soviética, como revela uma piada que circulava por lá em fevereiro de 1984, quando a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, compareceu para o funeral de Yuri Andropov, que comandara a “pátria do socialismo” por modestos quinze meses. O escolhido para sucedê-lo foi Konstantin Chernenko, de 72 anos. A piada reproduzia um telefonema fictício de Thatcher para Reagan: “Você deveria ter vindo ao funeral, Ron. Eles fizeram tudo muito bem. Com certeza, vou voltar no ano que vem”. E voltou mesmo, treze meses depois, tempo de sobrevida de Chernenko. Em 68 anos de história, a União Soviética tivera quatro dirigentes máximos: Lênin, Stálin, Krushev e Brejnev. Ao chegar ao poder em 11 de março de 1985, Mikhail Gorbachev era o terceiro governante em vinte e oito meses. Havia algo de podre e muito velho no Império Vermelho.
A piada é narrada no grande (em qualquer sentido) livro de Brown. Ao longo de mais de 800 páginas, noventa delas com notas explicativas, ele detalha a trajetória do comunismo mundo afora, do Manifesto de Karl Marx (1848) à dissolução da URSS. Em 25 de dezembro de 1991, seis anos e nove meses depois de se tornar um dos homens mais poderosos da Terra, Gorbachev renunciava à Presidência de um país que já tinha acabado. O homem da “perestroika”, da reestruturação, fora engolido por sua ingenuidade e traído por sua ousadia. Todos os sinos dobraram pelo Natal; nenhum por quem restituíra a liberdade religiosa. Era execrado pelos destituídos do antigo regime e desprezado pelos beneficiários do novo.
Brown, professor de Oxford, é um profundo conhecedor do assunto. Levou dois anos para escrever o livro, publicado em 2009, mas reuniu informações colhidas ao longo de 45 anos e muitas viagens aos países comunistas, especialmente durante a Guerra Fria. E é com essa autoridade que ele afirma: “Na União Soviética, a reforma produziu a crise mais do que a crise forçou a reforma”. Para Brown, embora o modelo soviético estivesse corroído pela ineficiência, pela estagnação e pela incapacidade de entrar na economia da informação, não havia pressão social ou política que tornasse urgentes as mudanças. O modelo poderia ter durado por muito tempo, não fosse Gorbachev.
A relação de Brown com o líder que matou o comunismo é ambígua. Admira sua vocação democrática e suas escolhas políticas e éticas, mas o caracteriza como um político ingênuo, que fez uma aposta brutalmente errada. Qual foi o erro – e, pois, o grande acerto – de Gorbachev? Para responder a essa questão, é preciso citar aquelas que o historiador considera as “seis características definidoras” do comunismo – elas também explicam por que o autor sustenta que o comunismo acabou, ainda que China, Vietnã, Laos, Cuba e Coreia do Norte se digam comunistas: 1) o partido único detém o monopólio do poder; 2) a burocracia partidária tem plena autonomia para tomar qualquer decisão; é o centralismo democrático; 3) há a posse não-capitalista dos meios de produção; 4) a economia é de comando, definida pelo estado, não pelo mercado; 5) há a convicção de que o comunismo está em plena construção e ruma para a perfeição; 6) os comunistas articulam-se em um movimento internacional.
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