Às vezes, a gente tem a impressão de que a própria legalidade, no país, é um canteiro de obras, que está tudo em construção. Vá lá: nas democracias, a legislação está em constante mudança, mas se trata de aprimoramento da fachada, de melhoria de detalhes, de adaptação… O Brasil é uma democracia, sim. Mas há certa tentação de Velho Oeste… Por que não testar quem pode mais, ver quem é o xerife? Isso é péssimo.
Vamos lá. O TCU decretou o bloqueio de bens da ordem de R$ 1 bilhão da Queiroz Galvão e da Iesa, acusadas de superfaturamento de obras na Petrobras. Sabem quem entrou no rolo também? Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal, e Renato Duque. Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco só não participam deste, como direi?, “consórcio do bloqueio” porque fizeram acordo de delação premiada.
Muito bem! O TCU já fez isso antes: bloqueou R$ 2,1 bilhões da Odebrecht e da OAS por razões semelhantes. As duas empresas recorreram e obtiveram uma liminar do ministro Marco Aurélio. Em seu despacho, escreveu:
“Não se está a afirmar a ausência do poder geral de cautela do Tribunal de Contas, e, sim, que essa atribuição possui limites dentro dos quais não se encontra o de bloquear, por ato próprio, dotado de autoexecutoriedade, os bens de particulares contratantes com a Administração Pública”.
Mas pode ou não pode? Pois é… Leia a mais recente decisão do TCU, que está aqui. Na página 21, transcreve-se um trecho de um voto de Celso de Mello, a saber: “Em primeiro lugar, verifico que o ato impugnado – inclusive no que tange à ordem cautelar de indisponibilidade de bens – está inserido no campo das atribuições constitucionais de controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União (art. 71, CF/88), pois são investigadas possíveis irregularidades, apontadas pelo Ministério Público junto ao TCU, quanto à operação de compra da refinaria mencionada”.
Para quem não entendeu: o ministro está dizendo que o TCU pode, sim, decretar a indisponibilidade de bens, ancorando-se no Artigo 71 da Constituição, que, no Inciso VIII, diz ser uma das funções do tribunal “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário”.
E existe, sim, uma lei que trata do assunto. O Parágrafo 2º do Artigo 44 da Lei 8.443 define explicitamente:
“Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.”
O ministro Marco Aurélio expressa lá seu entendimento do mundo, mas tem sido voto vencido nesse particular. Não só a Constituição abre o caminho para o TCU decretar a indisponibilidade de bens como existe uma lei que disciplina essa possibilidade — pelo prazo de um ano.
Ah, sim: Gabrielli reclamou e disse que vai recorrer. Em principio, terá de fazê-lo ao próprio TCU. Depois, ao STF.
Recorrer é um direito. Mas o que o TCU fez é constitucional e está devidamente disciplinado.