Na VEJA.com. Volto no fim do post:
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, questionou nesta terça-feira a legitimidade da ação militar que os Estados Unidos preparam para a Síria, ao afirmar que o uso da força só é legal quando ocorre em defesa própria ou tem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ban Ki-moon disse que se os inspetores da ONU confirmarem o uso de armas químicas na Síria, os países que integram o Conselho de Segurança deverão superar suas diferenças para agir. “Se for confirmado, qualquer uso de arma química por qualquer um, sob quaisquer circunstâncias, será uma violação grave da lei internacional e um crime de guerra ultrajante”, disse o secretário-geral, em entrevista coletiva, acrescentando que os responsáveis devem ser levados à justiça. “Não deve haver impunidade”.
A questão é que dois dos cinco países com direito a veto no Conselho de Segurança são aliados de Assad, a Rússia e a China, o que inviabilizaria a aprovação de qualquer intervenção. Os Estados Unidos minimizaram o trabalho da equipe de investigadores da ONU ao afirmar que já têm provas de que o ataque de 21 de julho envolveu armamento químico e foi perpetrado pelas forças do regime de Bashar Assad. Em resposta, Barack Obama propôs uma ofensiva limitada, sem o envolvimento de tropas. O presidente americano busca apoio do Congresso para a intervenção. Nesta terça, ele conseguiu aliados importantes, como o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner, que anunciou apoio à proposta do presidente.
No entanto, Ban Ki-moon ressaltou que qualquer ação militar “punitiva” contra a Síria criaria ainda mais conflito. “Devemos evitar uma militarização mais profunda do conflito e restaurar a busca por uma solução política. Eu levo em consideração o argumento da necessidade de uma ação para evitar novos usos de armas químicas. Ao mesmo tempo, devemos considerar o impacto de qualquer medida punitiva sobre os esforços para evitar mais derramamento de sangue e facilitar uma solução política. O conflito na Síria e na região não interessa a ninguém”.
Ele defendeu que se espere o resultado da inspeção realizada na última semana no local dos ataques – as amostras colhidas pelos investigadores devem chegar aos laboratórios de análise nesta quarta. “O Conselho de Segurança tem a missão de ir além do impasse atual e demonstrar liderança. Esta é uma questão mais ampla que o conflito na Síria. Tem a ver com nossa responsabilidade coletiva em relação à humanidade”.
França
O presidente François Hollande, que apoia o plano americano, insistiu nesta terça na necessidade de união entre os países europeus sobre a intervenção. Ele ponderou, no entanto, que se o Congresso americano for contra a ofensiva planejada por Obama, a França “não vai agir sozinha”. “Quando um massacre químico é realizado, quando o mundo é informado sobre isso, quando os indícios são entregues, quando as partes culpadas são conhecidas, então deve haver uma resposta”, ressaltou.
Nesta segunda, autoridades francesas afirmaram que o ataque deixou “ao menos 281 mortos”, número muito inferior às mais de 1.400 vítimas citadas pelo governo americano na última semana. Mas a França afirmou que o ataque foi lançado a partir de zonas controladas pelo regime Assad.
Voltei
Todos aprendemos, desde a guerra contra o Iraque, que um ataque sem a aprovação de o Conselho de Segurança da ONU constitui, como é mesmo?, uma evidência de “unilateralismo”. Acho que minha memória não me trai. É bem verdade que as provas sobre a existência de armas químicas não apareceram; a ONU não as tinha. Até agora, no caso da Síria, a ONU não as tem. Mais uma vez, os especialistas americanos (secundado pelos franceses) é que asseguram a culpa de Bashar Al Assad — e não que ele não faça o figurino e não possa ser mesmo o culpado.
Mas, então, ou se tem o aval ou não se faz nada? Basta um veto para que os carniceiros ajam à vontade? Não é bem assim. A ação tem de ter um propósito. Quando os EUA asseguram que não vão enviar homens à Síria, estão dizendo que farão ataques aéreos, para eventualmente enfraquecer posições de Assad. De novo, é preciso pensar nas consequências. Reitero o que escrevi: se comprovado que o carniceiro recorreu a armas químicas, tem de haver uma resposta — mas aí há de se fazer a coisa certa. E a coisa certa não é jogar umas bombas sobre posições militares do governo, facilitar o avanço dos rebeldes, sendo eles quem são, e deixar os sírios entregues ao diabo-dará. Será preciso cuidar do que virá depois, e essa sempre é a parte mais difícil.